“Perdemos a corda, o Norman vai ser enviado e a Emma tem a perna partida”. É neste cenário negro e pouco propício a grandes crenças que Emma e Ray vão arquitectando os planos de fuga da Casa de Grace Field, lugar que acolhe permanentemente 38 crianças até que, de acordo com a manual de normas oficial, se vêem adoptadas por pais generosos e com bom coração.
A verdade é, porém, muito menos humanitária ou dada a finais felizes. Como se pôde ler nos anteriores volumes, Emma e Norman descobriram que todas as crianças – ou melhor, os seus cérebros – estão destinadas a acabar na boca de monstros humanóides, para quem o petisco sabe melhor tanto maior for o grau de inteligência impresso no cérebro. Daí a criançada ser obrigada a realizar testes diários, como se todos eles estivessem destinadas a tornar-se no próximo Einstein ou na próxima Madame Curie.
Com Isabella, a criada e serva dos demónios, posta fora de circulação por Isabella, a cuidadora das crianças – a que estas chamam Mamã -, o cerco aperta-se em redor da pequenada, que vê o tempo esgotar-se até à suposta adopção de Norman, um rapaz esperto e verdadeiramente sensato que não quer fugir sozinho pois, dessa forma, o seu lugar irá ser preenchido por outra criança.
Caberá assim a Emma, a entusiasta do grupo – com reflexos fora de série e uma grande capacidade de aprendizagem –, e a Ray, um erudito que passou a vida em Grace Field ao serviço do inimigo – isto até ter tido uma epifania -, engendrar o plano perfeito à boleia da crença de que, de modo a preservarem as moleirinhas sem estas se sujeitarem a stresses ou traumas, a segurança não irá ser reforçada. Tudo para escapar a um lugar que, a fazer fé nas plantas e desenhos, está muito próximo da inexpugnabilidade de uns Jogos da Fome.
É também neste volume, intitulado “Quero Viver!” (Devir, 2020), que vamos conhecer a história de como Ray descobriu, muito cedo, que as crianças não passavam de alimentos para monstros. Ao contrário de todos os outros, que sofrem de amnésia infantil, Ray tem memórias desde que era um feto, tendo feito um acordo secreto com a Mamã aos seis anos.
Um volume morno, marcado pelo sentido de honra, respeito, sacrifício e engenho, que aquece e bem na segunda metade – e que deixa água na boca para o quinto capítulo. Afinal, quem disse que subir o muro era a parte mais difícil?
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