Não se ouviram as doze badaladas que, em tempos e numa outra dimensão, fizeram Cinderela correr mais depressa deixando para trás um sapato alto, mas foi na última meia-noite que abriu oficialmente a Festa da Ilustração, um evento que pretende colocar Setúbal no mapa nacional como a capital da ilustração.
Durante um mês – de 1 a 28 junho – e em redor do slogan “É preciso fazer um desenho?”, estarão expostos em diferentes espaços e locais públicos da cidade – espaços culturais, bares, lojas da baixa comercial, largos e praças – trabalhos de Lima de Freitas, André Carrilho, Maria Keil, Manuel João Vieira e Abel Manta, entre outros ilustradores menos conhecidos ou em início de carreira.
E teria sido difícil imaginar um melhor começo, ainda que tal tenha acontecido por puro acaso. Depois dos discursos da praxe, em que José Teófilo Duarte – designer e organizador desta Festa – e Maria das Dores Meira – presidente da Câmara Municipal de Setúbal – situaram a Festa da Ilustração e lhe anteviram um futuro radioso, abriram-se as portas entretanto fechadas da Casa da Cultura onde ficará patente a exposição “Ver ao Longe”, de André Carrilho, surpreendentemente a primeira mostra retrospectiva de um dos mais conceituados ilustradores da actualidade, dentro e – sobretudo – fora de portas.
Contra todas as expectativas, André Carrilho não se limitou a fazer um desenho e falou das suas ilustrações e do processo criativo, começando por um dos trabalhos recentes que fez para a Vanity Fair a propósito da última cerimónia dos Oscars. Entusiasmado, acabou por fazer uma visita guiada e comentada a cada um dos seus desenhos, explicando de que forma surgem as ideias, falando dos constrangimentos do tempo, das diferentes técnicas de ilustração, da necessidade de ilustrar fora do tipo de desenho com que ficou conhecido, dos seus novos trabalhos – sobretudo – para a Abysmo que lhe permitem chegar a um traço menos trabalho em termos de cor mas carregado de intensidade, das antigas ilustrações para capas de policiais que lhe ocupavam horas e implicavam o uso de técnicas que hoje não repete, dos temas polémicos e mais fracturantes – Israel será o maior de todos -, de homenagens póstumas, das diferentes publicações para as quais tem trabalhado – New Yorker, The Independent… -, de Portugal como o país onde acaba por ter mais liberdade para desenhar sem constrangimentos e onde é possível desenhar fora do que inicialmente havia sido traçado – a conhecida capacidade de improvisação lusitana. Ficou apenas de fora a prometida exibição da curta-metragem “Jantar em Lisboa”, um filme realizado por André Carrilho, escrito por J. P. Simões e produzido pela Animais, o que deverá acontecer a partir de hoje como parte integrante da exposição.
A Festa da Ilustração irá dedicar uma exposição específica a cada um dos artistas convidados ou homenageados, tendo cada um deles um lugar próprio: André Carrilho na Casa da Cultura, Mestre Lima de Freitas na Galeria do Banco de Portugal, Maria Keil na Galeria do 11, Manuel João Vieira na Casa do Bocage, e João Abel Manta no Fórum Luísa Todi e nos Claustros do Instituto Politécnico de Setúbal (IPS).
Há também uma clara aposta no envolvimento da comunidade local e nacional, através da colaboração com várias escolas de artes do país, tais como o Centro de Artes e Educação Visual (ARCO), as faculdades de Belas Artes de Lisboa (FBAL) e do Porto (FBAP), ou o Instituto de Arte, Design e Empresa (IADE), entre outras escolas superiores de Arte, como as de Matosinhos e Guimarães, e da participação activa de todas as cinco escolas secundárias do concelho de Setúbal.
Para além as exposições de trabalhos de ilustração, estão ainda previstos pequenos concertos, performances e outras actividades relacionadas com o tema da ilustração. Interessante será a interacção com a baixa comercial setubalense, não só pela colaboração com os comerciantes como, também, através da utilização de alguns dos muitos espaços devolutos – ou abandonados, se preferirem -, e do aproveitamento dos bonitos largos da Misericórdia, da Fonte Nova e da Ribeira Velha, para as actividades ao ar-livre.
José Teófilo Duarte, setubalense e designer nacional, e João Paulo Cotrim, jornalista e escritor, coordenador do projecto Gulbenkian/Casa da Leitura e editor da pequena mas muito rabina editora Abysmo, constituem o núcleo duro da organização do evento, por onde passa também a Câmara Municipal de Setúbal. Para assinalar o início da Festa da Ilustração, a edição de 2 de junho do Diário de Notícias será totalmente ilustrada por artistas com presença no certame setubalense.
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