Um dia, por volta das cinco da manhã, um jovem adulto acorda em alvoroço por causa de um sonho. Uma voz relatava-lhe uma série de acontecimentos: 108 ocorrências diferentes previstas para os anos seguintes, fragmentos do futuro que passa agora a ter na sua posse.
Tal acontecimento transformou-o na pessoa mais famosa do mundo, uma espécie de profeta, ainda que nem sempre pelas melhores razões. O que tinha em si gerava desejo e medo. Afinal, quem nunca quis conhecer o futuro? Quem nunca quis alterá-lo, apressá-lo ou até evitá-lo?
Will Dando, o Oráculo, como passou a ser apelidado, não passava de um baixista, um músico mediano, que num primeiro momento sentiu o poder e a satisfação da informação que tinha na sua posse, cedo se apercebendo que, fosse qual fosse o uso que da mesma fizesse, o caos no mundo era inevitável: porque o futuro pode ser hoje, mas só deve ser desvendado quando se torna presente.
A partir de certa altura, Will apercebeu-se de que as previsões que tinha em seu poder, tornando-se uma tormenta, eram também o seu seguro de vida, tonando-o invulnerável pese embora atacado por todo o lado, desde simples anónimos a governos e a religiões. Uns queriam ouvi-lo, outros silenciá-lo.
Para sobreviver e gerir o que tinha em sua posse, Will Dando contou com a dupla de amigos composta por uma professora primária e um banqueiro de investimento. A partir daí foi como “jogar xadrez num quarto escuro como breu e ter de saber quais são os movimentos do adversário apenas pelo cheiro. E estar constipado. E ter Deus como adversário”.
Numa linha temporal de aproximadamente 8 meses, o leitor toma contacto com um complexo e frágil mapa geopolítico que pretende inverter a ordem dos factores, apropriando-se e condicionando o futuro que Will Dando conhece, camuflando a dislexia do presente: a governação dos EUA e as sua relações estratégicas com o mundo; as seitas espalhadas por todo o lado, envoltas em esquemas e em charlatanice que já nem se preocupam em disfarçar; os métodos de investigação e de acção policial pouco ortodoxos, e há muito arreigados dos mais elementares direitos, liberdades e garantias do cidadão; as potencialidades da tecnologia, camuflando os mais complexos e improváveis esquemas de lavagem de dinheiro.
Charles Soule, autor de BD bestseller do New York Times, músico e advogado, é portador de um portefólio extenso e diversificado no qual se destaca a autoria de vários livros de banda desenhada da saga Star Wars. Com “O Ano do Oráculo” (Topseller, 2020) aventurou-se habilmente no mundo da prosa, com o qual chegou a ser finalista do Prémio Goodreads para Melhor Livro de Ficção Científica, para além de outros sinais de reconhecimento do seu interesse, já com direitos de adaptação televisiva vendidos.
Uma narrativa inteligentemente polarizada, uma leitura fluída e aquela dose q.b. de matéria reflexiva fazem deste livro uma boa oportunidade de ponderar o presente a pretexto da ficção. Por último, um conselho do Oráculo: “Fado, destino. São Mitos. Somos a soma das nossas escolhas. Escolham bem”.
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