No mundo da literatura, sobretudo quando falamos do universo infanto-juvenil, muitos são os livros que olham para esses seres adultos, muitos deles já bastante frágeis, que assumem muitas vezes o papel de uma segunda maternidade/paternidade, por norma menos controladora e emocionalmente mais descontraída do que foi aquela – ou aquelas – vividas em primeira mão.
Num álbum de formato gigante, onde é também responsável pelas ilustrações, Valter Hugo Mãe presta também a sua homenagem aos avós, aqui pertencentes a uma geração onde os papéis de ambos eram, aos olhos e aos fios da sociedade, bem diferentes.
“Quando a avó trocou o coração por um electrodoméstico, continuou amando”. Uma mulher que acreditava que o amor era saber e sobretudo melhorar, não aceitando que os abraços ou qualquer outra forma de expressão sentimental fossem abreviados. Já o avô era diferente, “um homem de oficina” que via a vida como uma tarefa: “cumprir, plantar, colher, assear, ter modos, manter o silêncio, poupar palavras”.
“Serei sempre o teu abrigo” (Porto Editora, 2020) é uma história de amor, onde o avô trata a neta por menina e, por necessidade e dever, passa a ser o dono da cozinha, rigoroso no cuidar da avó sem nunca desperdiçar um sorriso. Alguém que passa, de repente, a estar cercado por um medo imenso, descansando apenas quando, debaixo de uma árvore com muitas histórias para contar, ouve estas palavras da boca de quem mais ama: serei sempre o teu abrigo.
Valter Hugo Mãe fala-nos da importância da memória, do respeito por quem já cá anda há muito tempo, numa elegia ao amor e aos que cuidam de nós, por vezes com corações diferentes mas batendo com o mesmo heroísmo. Sejam eles corações eléctricos ou de ratinhos habituados a correr numa roda. Afinal, “cada coisa, à sua maneira, é a fortuna possível da família”.
Um livro onde o mundo é vertido em poesia e o poder de transformação é imenso, e onde o negro das ilustrações está longe de representar o terror, o sepulcro ou a morte: é, antes, a vida em todo o seu esplendor.
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