Viajemos até aos Himalaias, sem chegar ao cimo e, ainda assim, testemunhando tanto da magnitude da natureza. Acompanhemos Paolo Cognetti, reconhecido escritor milanês que, em Outubro de 2017, aos 40 anos, parte com alguns companheiros para a região de Dolpa, no noroeste do Nepal. Um dos seus objectivos era encontrar um pequeno Tibete em terras nepalesas, ainda terra de monges, mercadores e pastores nómadas, que tivesse sobrevivido à colonização chinesa. O grande desafio, por seu turno, residia em ver e encontrar as palavras certas para contar o que vira. Sem hesitação, diremos que o desafio foi superado.
A viagem exigiu cerca de um mês de caminhada ao longo da fronteira tibetana, com passagens acima dos cinco mil metros, requerendo planeamento e acompanhamento, dos guias às mulas, dos acampamentos aos companheiros de viagem. Entre estes, Cognetti rodeou-se de dois amigos, sabendo já por experiência própria que, embora na montanha a solidão se sobreponha a qualquer companhia, partilhá-la com companheiros verdadeiros seria mais fácil.
Em “Sem Nunca Chegar ao Cimo – Viagem aos Himalaias” (D. Quixote, 2020), Paolo Cognetti revela como nasce o desassossego por este tipo de aventuras, como antes de nos fazermos à estrada e aos socalcos há etapas que são percorridas, lendo e ansiando por testemunhar a existência dos lugares descritos. Foi sob a influência de relatos de precursores, que exploraram estas mesmas paragens, que se fez o plano e o trajecto efectivo de Cognetti, sentindo-se acompanhado por aqueles que, no passado, já o haviam levado a viajar entre relatos e imagens publicadas. Assim começou por sonhar ser alpinista e procurar montanhas mágicas, autênticas e livres do colonialismo da cidade.
Já em trajecto real constatou como as estradas, aparentemente feitas para trazer coisas, acabam por as tirar, pelo efeito pernicioso da acessibilidade a locais especiais que deixam de conseguir proteger-se da massificação turística.
A certa altura, no olhar de uma mulher nativa, lampeja a pergunta: “Por que razão nós ocidentais nos sujeitávamos a viajar até ali, a cansarmo-nos, a dormirmos no chão, a padecermos de frio e a cobrirmo-nos de pó, sem qualquer outro objetivo aparente a não ser o de nos afastarmos das nossas camas quentes e dos nossos carros rápidos?”. Com efeito, a viagem que acompanhamos através deste relato comporta provações físicas e emocionais, desafios superados com determinação e força interior, mas também com a ajuda e o companheirismo.
“Sem Nunca Chegar ao Cimo” revela-se um retrato de um homem em confronto com os seus desafios mais íntimos, num exercício de veneração da natureza, de interesse e de respeito relativamente às crenças de um povo: “Girar em redor da montanha, voltando para ela o nosso lado direito, é uma prova de reconhecimento do valor desta enquanto eixo de rotação: ao fazê-lo, tornamo-nos parte da roda, do girar do mundo; a montanha é a origem do mundo, assim como a fonte o é dos rios”.
Para além desta publicação, Paolo Cognetti já viu editado em Portugal, pela D. Quixote, dois romances que realizam uma ligação inteligente entre a ficção e o relato autobiográfico: “As Oito Montanhas” (2016) e “O Rapaz Selvagem” (2017). Em Itália, divide-se entre a cidade e uma casa a dois mil metros de altitude.
1 Commentário
Escrita muito inferior ao “As Oito Montanhas”.
Tem algumas tiradas engraçadas mas não me fez viajar.