“Chegámos a casa tão carregados do horto que foi preciso fazermos três viagens ao carro para trazermos tudo o que comprámos: as plantas, as flores, os vasos, o substracto universal, terra para as roseiras, casca de castanheiro para as camélias e as azáleas. Pedimos tudo com o nervosismo de quem empreende uma viagem definitiva e estávamos entusiasmadíssimos com a tarefa.”
Falar com as plantas é um acto mágico, “um acto íntimo e transformador, um acto de fé para quem não acredita em milagres”. Nem todos o conseguem. Na fé, as palavras são escassas, a intuição comanda. Tratar de plantas, mexer na terra húmida, transmite uma paz interior, renova a esperança, os sonhos, a vida. As plantas, tal como nós, apreciam os cuidadores e retribuem momentos de felicidade e beleza. As plantas são sensíveis à destruição, à ameaça, à dor ou a outros estados de espírito. Tal como nós.
Paula é uma médica neonatologista, não muito sensível às plantas, que durante anos viveu com Mauro. Não tinham filhos mas, quando vê o companheiro lidar com uma criança que lhe pede ajuda para chegar a uma prateleira no supermercado, reavalia o desejo de constituir família. Mauro, porém, diz-lhe que a relação já não funciona há muito tempo e que existe uma outra pessoa, informando-a de que vai sair de casa. Instala-se em Paula o silêncio, a raiva, a dor. Passado umas horas, o telefone toca. Do outro lado está a voz de Nacho, um amigo de longa data, que lhe dá a pior das notícias: “O Mauro teve um acidente. Um carro … a bicicleta. Tens de vir imediatamente ao Hospital Clínico”.
Os mistérios da vida. Os mistérios da vida e da morte. Paula, no seu dia-a-dia, cuida da vida, ajuda os recém-nascidos na luta pela sobrevivência. “– Custou-lhe um bocadinho começar a respirar, mas já passou. Agora, vamos para os Cuidados Intensivos, tal como combinámos, está bem? Vemo-nos daqui a pouco e explico-lhe tudo mais calmamente. Esteja descansada que vai correr tudo bem”.
Com a morte de Mauro, Paula dificilmente cuida da vida. Da sua vida. E agora? Seria certamente esta a pergunta mais adequada. Uma pergunta para a qual não encontrava resposta, incomodada com a morte. “A morte irrita-me. Desde que ele se foi, a morte enfurece-me, exaspera-me por ser insolente e sem-vergonha, por encobrir o Mauro e por estar tão viva em mim”. A morte modifica-nos. A morte não é apenas o derradeiro acontecimento – pelo contrário, a morte carrega em si toda uma vida. Perante o drama da perda, da separação, é imperioso a consciencialização da finitude, do reencontro, da liberdade.
“Aprender a Falar com as Plantas” (D. Quixote, 2020) é um livro sobre a dor, o luto, o ressentimento, mas também um manifesto contra o discurso misericordioso no momento da dor. Numa escrita que intercala o passado e o presente, o leitor é convidado a reflectir sobre a complexidade das relações humanas, a imprevisibilidade dos acontecimentos, as emoções, a saudade, a dor e a perda.
Marta Orriols nasceu em 1975. É historiadora de arte de formação, vive e trabalha em Barcelona e tem dois filhos. Estudou guionismo cinematográfico na escola de cinema Bande à Part e escrita criativa na Escola de Escrita do Ateneu Barcelonês. É autora do blogue No puc dormir e trabalha ocasionalmente como leitora para editoras.
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