Com a chancela da Porto Editora – numa 1ª edição pelos Livros do Brasil na Coleção Miniatura -, viajemos ao encontro de Carlos de Oliveira, filho de pais portugueses emigrados no Brasil, regressado a Portugal com apenas dois anos. Na cidade que o acolheu, Coimbra, participou no grupo do Novo Cancioneiro, na génese do movimento Neorrealista, de que viria a ser uma das maiores vozes. Colaborou nas revistas Altitude e Seara Nova, e dirigiu durante algum tempo a revista Vértice. Começou a destacar-se com os seus livros de poesia – “Mãe Pobre” (1945), “Micropaisagem” (1968), “Pastoral” (1977), entre outros. No seu trabalho, distinguem-se os romances “Casa na Duna” (1943), “Pequenos Burgueses” (1948), “Uma Abelha na Chuva” (1953) ou “Finisterra” (1978).
Viveu entre os anos de 1921 e 1981, deixando um legado de denúncia de questões sociais, de compreensão da estratificação social, da decadência da aristocracia rural e da burguesia, desejando apresentar uma nova visão do mundo – mais justa porque também mais transparente, menos ocultada por questões de estatuto. A sua obra, poesia e romance, revela uma especial habilidade em perceber o indivíduo numa sociedade determinista, enquadrada por um período maioritariamente ditatorial.
“- Não te matam, descansa, posso lá ter tamanha sorte; hei de aturar-te até ao fim da vida, até que Deus me leve deste inferno que é a tua casa. Tenho nojo de ti, nojo, entendeste bem? Que te admiras tu que eu sonhe?, sonhos sobre sonhos, sempre, para esquecer a tua cama, o pão da tua mesa.”
Maria dos Prazeres Pessoa Alva Sancho Silvestre e Álvaro Silvestre espelham, em “Uma Abelha na Chuva” (Livros do Brasil, 2020), um casamento de conveniência das famílias – a dela, arruinada mas com brasão; a dele, abastada mas de origens populares. Uma união que se degrada e desmorona, repleta de interditos e não ditos, infelicidade, rancor e vingança.
Deprimido, enredado em profundos dilemas morais e furtado de dignidade, Álvaro Silvestre procura a redenção no álcool e na confissão. Um homem em luta consigo mesmo, cheio de ressentimento e de culpa.
“Juro por minha honra que passei a vida a roubar ao balcão, nas feiras, na legítima de meu irmão Leopoldino; juro também que foi a instigações de D. Maria dos Prazeres Pessoa Alva Sancho Silvestre, minha mulher, que andei de roubo em roubo.”
Em 1971, com um desempenho extraordinário de Laura Soveral como Maria dos Prazeres, Fernando Lopes encenou “Uma Abelha na Chuva”, trabalho reconhecido e aplaudido como drama intimista, num universo rural imobilista e opressivo, quebrado por ausências, desencontros e silêncios.
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