De acordo com uma placa localizada no Parque Nacional de Thingvellir, foram executadas, entre 1602 e 1750, cerca de 72 pessoas na Islândia, fosse por enforcamento, decapitação, enforcamento, afogamento ou pelo fogo. Se aos homens normalmente se cortava a cabeça ou se optava pelo enforcamento, já as mulheres eram normalmente atiradas à água, para morrerem de frio ou afogamento.
Mais tarde, quando o país caiu nas mãos da Dinamarca e as leis deste país se tornaram a lei nacional, a pena capital conheceu um maior aumento sob a influência do Luteranismo – no século XVII -, desaparecendo gradualmente por volta da metade do século XIX. A última execução, seguindo a aplicação da pena capital, teve lugar a 12 de Janeiro de 1830, em Vatsndalshólar. Os condenados eram Agnes Magnúsdóttir, uma criada, e Fridrik Sigurosso, filho de pais agricultores de Kataladur. O seu crime havia sido o assassinato de dois homens a 14 de Março de 1828: Natan Ketilsson, um agricultor de Illugastadir, e Pétur Jónsson, da quinta Geitaskard. Agnes e Fridrik foram executados por decapitação. Quatro anos depois, a última execução de um islandês tinha lugar na Dinamarca, sendo a pena de morte abolida completamente no ano de 1928.
O caso de Agnes Magnúsdóttir foi a base para o filme islandês “Agnes”, realizado por Egill Edvardsson em 1995 e, em 2013, para “Últimos Ritos” (Saída de Emergência, 2015), a estreia literária de Hannah Kent que conhece, este ano, edição portuguesa.
O livro resultou de anos de pesquisa e acesso a registos ministeriais, paroquiais, arquivos, censos, histórias locais e publicações, para além de muitas conversas que a autora manteve com habitantes locais. Ao longo da história são também mostradas cartas e documentos, traduzidos e adaptados de fontes originais.
Na nota final, Hannah Kent diz que «este romance foi escrito para fornecer um retrato mais ambíguo desta mulher.» O seu (muito) mérito não está, porém, afecto a qualquer ideia de dualidade, mas sim em ter transformado uma história simples, que na época teria sido publicada no Correio da Manhã ou no Crime lá do sítio, num romance atravessado por um grande misticismo, abraçado pela religiosidade e tocado pela superstição.
A sua linguagem entranha-se na pele do leitor muito graças à opção da autora em nos contar a história de várias formas e por, sobretudo, acrescentar à voz ausente do narrador e à objectividade dos documentos oficiais a voz da própria Agnes que, numa espécie de diário, vai registando as suas últimas palavras, até que ao leitor – e aos que rodeiam Agnes – lhe é contada a verdadeira história das mortes pelas quais Agnes é acusada, resultando na redenção desta e, também, na libertação individual dos que com ela partilharam a última caminhada.
Kent descreve com mestria a luminosidade tenebrosa e os relacionamentos a temperatura negativa da Islândia, país então atravessado pela pobreza e pela inclemência dos elementos naturais, mostrando também, com uma prosa irrepreensível, o papel subalterno e acessório da mulher e o abuso de poder da justiça e da lei que, mais do que apurar a verdade, procurava construir a sua própria visão dos acontecimentos, escudada no medo da pena capital. Dramático sem cair em sentimentalismos extremos ou em lágrimas fáceis, “Últimos Ritos” é uma estreia brilhante de uma escritora que deverá ser mantida debaixo de olho.
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