Tem amigos influentes, relações com magnatas dados à cultura ou não sabe o que fazer com aqueles 200 mil euros que tem lá em casa a encher uma gaveta que, se pensar bem, até lhe dava jeito para enfiar mais uns pares de meias e cuecas? Pois bem, reúna a verba e, seja metida dentro num envelope ou escrevinhada num cheque, entregue-a a Miguel Gonçalves Mendes, de modo a que este possa finalmente levar às telas grandes e pequenas aquele que acabou por se tornar quase o seu projecto de vida e que, movido com a mesma inquietação, acrescentos e derrapagens de uma Expo 98, corre o sério risco de não ver a luz do visionamento. E nem mesmo o facto de ter entre os produtores associados nomes respeitáveis como os de Fernando Meirelles ou Pedro Almodóvar parece conseguir desbloquear o pilim necessário à sua concretização.
Se, em 1990, perguntassem aos Soul II Soul sobre qual era o sentido da vida, a resposta andaria mais ou menos à volta destes versos:
Elevate your mind, free your soul
Well, come on, come on
Feel the feeling, let your body take control
Antes disso, mais concretamente em 1983, uma trupe chamada Monty Python pensou tanto na coisa que fabricou “The meaning of life”, aquele que será provavelmente o seu filme mais divertido.
Nas Correntes d’Escritas, Miguel Gonçalves Mendes apresentou-nos um esboço do primeiro acto e do início do segundo de “O Sentido da Vida”, um filme/documentário a que se dedicou durante os últimos oito anos, e que espera agora por um qualquer mecenas que possa chegar-se à frente com os 200 mil euros necessários para a fase de pós-produção. Nas palavras de Miguel, trata-se de um projecto que tem tido uma série de problemas, e que se for descrito como um drama ou uma odisseia não andará muito longe da verdade.
Na apresentação que decorreu no Cine-Teatro Garrett, onde a seu lado esteve sentado o escritor Valter Hugo Mãe, o realizador contou que quando chegar a bom porto o filme terá duas versões: uma de duas horas apontada à salas de cinema, e uma outra bem mais extensa que irá estrear como uma série televisiva.
Nesta sessão privada, na qual Miguel Mendes pediu sugestões e reafirmou que o que estava ali estava longe de ser o produto final, foi apresentada a premissa do filme, que aqui se partilha sob a forma de sinopse: Giovane Brisotto é um jovem brasileiro, portador da paramiloidose familiar, uma doença rara e incurável de origem portuguesa – conhecida como “doença dos pezinhos” -, espalhada pelo mundo durante a época dos Descobrimentos. Na iminência de um transplante a acontecer no Brasil, Giovane decide embarcar numa viagem à volta do mundo, traçando a mesma rota daquela que se supõe ter sido a primeira viagem a disseminar a doença há 500 anos. Na procura de respostas para as suas questões existenciais, Giovane revisitará a história da humanidade, traçando novas perspectivas e relacionando fenómenos da modernidade. Paralelamente à viagem, o espectador é confrontado com o quotidiano de 7 figuras públicas, personagens emblemáticas da contemporaneidade: um juiz controverso, um líder religioso, um político ambientalista com uma história de vida única e singular, um músico respeitado, um actor influente, um escritor premiado e um astronauta ambicioso. Pessoas comuns transformadas em ícones e personagens/estrelas que influenciam a vida de multidões. Figuras reais como o famoso juiz Baltasar Garzón, o best-seller Valter Hugo Mãe, a artista japonesa aclamada internacionalmente Mariko Mori e o percursor da cena música lslandesa, Hilmar Örn Hilmarsson. Todos eles arquétipos da humanidade, que farão parte de uma jornada em busca de respostas para as questões existenciais e para a pergunta que muitos colocam: qual é o sentido da vida?
Para Valter Hugo Mãe, uma das sete figuras centrais do filme, foi difícil de entender de imediato a ideia de Miguel quando este lha apresentou: acompanhar a vida de um jovem adulto sentenciado por uma doença sem cura. Para Valter, este é – ou será – um documentário capaz “de se intrometer com as nossas emoções”, tendo também se tornado para si uma coisa identitária, algo que precisa de um final feliz. Um projecto megalómano no melhor dos sentidos, das coisas “mais exigentes e caras que se fizeram em Portugal”.
Após um visionamento aplaudido e elogiado repetidamente por muitos espectadores, Miguel referiu que a doença de Giovane foi um dispositivo dramático para se poder apresentar a história do mundo e da humanidade como uma construção feita com a soma das partes. Giovane que foi escolhido num casting entre 70 portadores da doença, tendo sido escolhido pela química que teve com a equipa de filmagem, uma vez que iriam embarcar numa viagem de dez meses onde as condições nem sempre seriam as melhores – apesar de nunca terem estado a mais de 50 quilómetros de um hospital com as condições mínimas.
Relativamente à escolha das sete figuras e à sua ligação com Giovane, a ideia foi a de jogar com duas coisas aparentemente antagónicas: de um lado o cidadão comum, que carrega o peso da morte as costas e a avidez de conhecer o que é a vida e qual o seu sentido; do outro, sete pessoas com o estatuto de quase heróis, figuras públicas que costumamos achar que não têm medos.
Para Miguel estaremos, cinefilamente falando, entre o “Magnolia” de Paul Thomas Anderson e o “Big Fish” de Tim Burton, tendo acesso à dimensão pública e privada destas sete figuras, mostrando-as como seres humanos como qualquer um dos cidadãos anónimos.
“A ideia base foi a da identificação com todos estes personagens em todas as vertentes. A do filme ser um espelho da humanidade, uma cápsula deste mundo esquizofrénico em que estamos a viver. Pode parecer um pouco datado mas tudo é datado. Que possa ser uma pista daquilo que somos e daquilo que poderemos ser”, disse ainda Miguel, antes de concluir dizendo que tem feito os possíveis e os impossíveis para tentar mostrar a todos esta sua visão do que é o sentido da vida. Venham de lá esses 200 mil euros (qualquer contribuição será bem-vinda aqui).
Fotos: Correntes d`Escritas/Câmara Municipal da Póvoa de Varzim
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