Por vezes apetece-nos ler um romance que fale de amor, uma daquelas histórias doces que tocam o coração e nos deixam bem-dispostos, “de bem com a vida”, com o ânimo um pouco mais elevado na luta diária contra uma realidade cinzenta. O leitor que esteja nesse estado de espírito poderá pegar em “A Noite Sonhada” (Clube do Autor, 2015), de Màxim Huerta – livro galardoado com o Prémio Primavera de Romance -, obtendo essa sensação de pelúcia e mel. Porém, há que alertar o leitor incauto em busca de um pouco de cor-de-rosa no seu quotidiano, fazer um aviso público de saúde, por assim dizer: este romance não se limita a ser doce, escorre sacarose e pode, mesmo, provocar diabetes psicológica.
Tendo em mente a ressalva de que gostos não se discutem e que nem todos os leitores são insensíveis empedernidos, esta história de amor de um rapaz, Justo, pela sua mãe e pela sua família, irá certamente agradar a muitos, mas a narrativa que oscila entre o delico-doce e o melodramático poderá igualmente irritar outros tantos.
Justo é um rapaz de 12 anos que, confrontado com a infelicidade da mãe, decide tomar a iniciativa e concebe um plano para garantir um futuro mais alegre para a progenitora. O desenrascado mancebo enceta então um caminho sem retorno que irá mudar o rumo da sua vida e da parentela mais chegada. Segue-se assim uma narrativa que vai saltaricando entre o presente, em que Justo é já um homem maduro com graves problemas emocionais, e o passado, onde podemos assistir à descoberta do amor por parte do miúdo e dos graúdos. Umas reviravoltas aqui e além, para não entediar, e está o romance despachado.
Uma história sentimental não é necessariamente uma coisa má, uma peçonha da qual devemos fugir como das pessoas que gostam de tossir sem tapar a boca ou de cortar as unhas nos transportes públicos. Não há nada de abjecto ou reprovável na sensibilidade e no romantismo. Enquanto leitores, ter uma mente fechada e avessa a experimentar géneros e autores que estão fora da nossa zona de conforto pode privar-nos de boas experiências, mas há que estar preparado também para quando o tiro nos sai pela culatra, ou para quando ser afoito termina em desastre.
“A Noite Sonhada” pinga mel. A ausência quase total de diálogos que não estejam empanturrados de fios de ovos e algodão doce, prenhes de significado e lições de vida, acaba por dar azo a uma leitura fastidiosa em que o leitor poderá ter de se dirigir às urgências de oftalmologia de tanto revirar os olhos. O que poderia ser uma história engraçada, leve mas competente no objectivo de entreter, torna-se um rol de descrições melosas, reflexões sobre o amor e a vida intermináveis e maçudas, diálogos forçados, como se todos falassem por frases de cartões da Hallmark. Um pouco de naturalidade faz toda a diferença, e o autor deixou-se claramente levar pela vontade de criar uma narrativa em que nada é por acaso e nada está isento de significado, caindo numa escrita forçada e artificial.
O apreço por este romance dependerá da tolerância a possíveis overdoses de açúcar por parte do leitor e da sua sensibilidade, como acontece com qualquer livro. Fica alguma pena de que Màxim Huerta se tenha deixado levar pela corrente de melaço e frases feitas, até porque a história não deixa de ser interessante e de ter, até, bastante potencial. É uma questão de como se trabalha a matéria-prima e, adoptando agora um pouco o estilo pedagógico do livro, é como tudo na vida: o que é demais enjoa.
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