“Alimentar-se é uma necessidade que transformámos num prazer, em torno da qual elaborámos rituais e que nos convida a todos a interrogarmo-nos e a tornarmo-nos um pouco filósofos.”
As palavras pertencem ao filósofo canadiano Normand Baillargeon (n. 1958) , que de há vinte anos para cá assinou, dirigiu, editou e traduziu perto de 50 obras sobre educação, filosofia, literatura ou política. Em 2017 publicou “À Mesa Com Os Filósofos” (Temas e Debates, 2019), livro onde se mistura a ruminação intelectual com umas boas garfadas em comida a sério.
Mas nem só a filosofia se senta a esta mesa muito bem posta, que tem lugares reservados para a ética – deveremos continuar a devorar animais como o temos feito desde os tempos das cavernas ou é tempo de mudar de regime alimentar? -, a estética – um chef poderá ser visto como um artista, tanto na confecção como no empratamento? -, a epistemologia – a questão do gosto é subjectiva ou pode ser educável? – e, como não poderia faltar numa refeição onde as vozes se levantam, os copos tilintam e a comida vai desaparecendo prato atrás de prato, a política – deveremos preferir o comércio alimentar mundial ou há-que cuidar dos produtos locais?
Pelo caminho, e depois de uma abertura com um elevado teor alcoólico onde se explica a origem dos banquetes e se apresenta o primeiro dos menus, damos um passeio com Kant – que nos explica a arte de bem viver -, recolhemos conselhos para uma degustação às cegas, somos brindados com sugestões de temas de conversa à mesa e algumas leituras, aprendemos mais sobre a gula. Isto entre apelos ao vegetarianismo e à meditação, enquanto se olha de lado para as dietas.
Há ainda algumas receitas para experimentar na cozinha, como tâmaras recheadas com amêndoas e mergulhadas em chocolate, o dal – um prato indiano, preparado à base de leguminosas, que Peter Singer propôs em 1975 no livro Animal Liberation -, uma sempre reconfortante sopa à moda da rainha – receita de David Hume -, um guisado de avestruz das províncias africanas, uns ovos à Robert – uma sugestão de Alexandre Dumas – ou um delicioso pão de passas em memória de Thoreau.
A paginação é irrepreensível, juntando-se um design gourmet que merecia bem uma estrela Michelin literária. O livro ideal para alimentar o espírito e o estômago.
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