Amos Oz (1939-2018) é um dos escritores israelitas mais conhecidos e lidos. Dedicou-se à militância a favor da paz entre palestinianos e israelitas, foi professor, escritor e jornalista, recebedor das mais importantes distinções internacionais e, ainda assim e até ao fim, parcimonioso no estar, passando os últimos anos retirado do bulício dos grandes centros, refugiado no deserto, em Negev, onde procurou a paz, o silêncio e até o abandono necessário para pensar e escrever.
“A celebridade é como água. Ontem não havia, hoje corre, amanhã acaba.”
Em muitos dos seus livros, Amos Oz conta histórias de famílias às quais, invariavelmente, associa alegorias políticas e muito da história do povo israelita, motivo pelo qual há quem não hesite em apelidá-lo de profeta, pela forma como muitas vezes metaforicamente antecipou cenários que se vieram a verificar. Em 2005, numa entrevista à revista Visão, afirmava que “escrever um poema é como se fosse uma noite de amor, escrever um conto é um namoro, mas escrever um romance é um casamento.” Nada do que fez, disse ou escreveu surgiu ao acaso, desde logo o próprio nome: ao apelido do pai e seu verdadeiro nome – Amos Klausner -, preferiu Oz, que significa força ou coragem.
“Não Chames Noite à Noite” (Dom Quixote, 2019 – reedição), escrito em 1994, é um livro intenso pela forma como viaja pela intimidade de um casal, de uma cidade, de uma catástrofe e de um povo. Nada é imediato ou linear. A subtileza e as particularidades da relação entre Noa Dubnov e Theo, um casal que procura equilibrar a diferença de idades e de perspetiva de vida; a morte de um jovem; a vontade do pai instalar, benemeritamente em Tel Keidar – pequena cidade situada junto ao deserto de Neguev -, um centro de reabilitação para toxicodependentes, como forma de compensar a perda do próprio filho; a rejeição da comunidade, que não vê com bons olhos tal iniciativa, considerando que irá expor a população local ao contacto com indivíduos mais do que duvidosos.
Há, na narrativa de Amos Oz, alternância entre o tempo cronológico e o tempo interior das personagens, a acção relatada pelos protagonistas e o complemento ou a achega do autor, enriquecendo com a arte de introduzir na acção outros ângulos relativamente ao que é representado. Um enovelado de texto e de sentido, de subtileza e de acutilância, a várias vozes e com diferentes coloridos. Como em quase tudo o que fez, parece haver em “Não Chames Noite à Noite” uma preocupação em integrar várias perspectivas, num exercício de humildade, equidade e democraticidade a que se manteve coerente ao longo de todo o seu trabalho e da sua própria vida. No caso concreto deste livro, Noa e Theo, Avraham Orvieto (pai de Emanuel Orvieto, jovem falecido) e Bat Sheva Dinur (presidente da Câmara de Tel Keidar) têm oportunidade de lutar por projectos, pontos de vista e processos de negociação não necessariamente convergentes com o expectável mas, ainda assim, profundamente entrosados com os princípios e valores em que acreditam ou a que se encontram vinculados. Tudo em dias de canícula escaldante, com oportunidade de conhecimento do que será viver em tais condições – sublimando-se que “quem já não se entusiasma e não tem pressa por nada, arrefece e começa a morrer” – e que “quem usar de benevolência encontrará benevolência em qualquer lugar“.
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