A leitura do ensaio “As plantas e os portugueses” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019), de Luís Mendonça de Carvalho, recorda-nos quão bom é passear nos jardins, tocar os arbustos ou sentir os múltiplos aromas embriagadores.
Ao longo de uma centena de páginas, conhecemos a vasta e diversificada cultura imaterial do nosso país: tradições, lendas, artefactos manufacturados, bordados, a simbologia de variadas plantas e a sua ligação a festas e romarias, à música como o fado e o cante alentejano ou, ainda, à arquitectura e estatuária. Não esquecendo a culinária e a literatura.
O autor aviva-nos a memória sobre a ligação das plantas e da culinária – de imediato pensamos nas especiarias e nas ervas aromáticas tão presentes nas aventuras heróicas dos navegadores portugueses. Confirmamos que “as plantas também integram, de forma expressiva, a culinária portuguesa, a qual se inclui na tradição gastronómica da denominada dieta mediterrânica”, e que a doçaria conventual é reconhecida pela diversidade. Ficamos a saber que o açúcar “foi, até ao final da Idade Média, um produto raro e oneroso incluindo nas listas de especiarias”, que permitiu o desenvolvimento da “criatividade de monjas e monges portugueses cujas receitas resistiram à secularização dos conventos e chegaram até aos nossos dias”.
As Cantigas de Amigo, a lírica de Camões, a prosa de Eça de Queirós, a poesia de Almeida Garrett ou da Florbela Espanca, os enredos dos contos A Floresta ou A Árvore de Sophia de Mello Breyner Andresen ou o livro do Desassossego de Fernando Pessoa, estão repletos de alusões a lírios, papoilas, camélias, rosas, violetas ou alfazema, fragrâncias intensas, na literatura portuguesa, que perfumam de forma inesquecível a nossa alma.
Portugal possui um vasto património etnobotânico vivo, “que urge conhecer para que se possa conservar e legar às gerações futuras”. Temos de incentivar as visitas aos belíssimos Jardins Botânicos de Portugal que tanto têm para nos ensinar, como por exemplo o Jardim Botânico da Ajuda, o Jardim Tropical ou o Jardim Botânico do Porto, implementado pelo Passos Manuel.
Já nas considerações finais, de forma sucinta mas clara e objectiva, é apresentada uma reflexão sobre a “industrialização, a migração para as cidades e a recente globalização”, que introduziram uma profunda transformação nos padrões culturais. A nossa herança etnobotânica, seja ela material ou imaterial, deverá ser preservada. A identidade cultural, a memória social e a nossa história deverão continuar a ser construídas. No final do ensaio é disponibilizado uma breve bibliografia e uma listagem de nomes científicos das plantas.
Luís Mendonça de Carvalho é biólogo, mestre em Bioquímica e Fisiologia de Plantas doutorado em Sistemática e Morfologia das Plantas. Professor. Fundou e dirige o Museu Botânico, em Beja.
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