Uma das minhas autoras preferidas em criança era a Condessa de Ségur, cuja colecção Azul estava praticamente completa e fazia as delícias dos mais novos. Os livros que mais li e voltei a ler, e que eram, indubitavelmente, os meus preferidos, eram “Os Desastres de Sofia” e “As Meninas Exemplares”, cujo ambiente aristocrático e momentos perfeitamente aspiracionais me proporcionaram muitas horas de brincadeiras de imaginação.
Chega agora uma nova edição de “Os Desastres de Sofia” (Fábula, 2019 – reedição), livro que continuará a encontrar pequenos leitores e a encantar os mais velhos em momentos de autêntico revivalismo. Condessa de Ségur consegue essa proeza: de, desde meados do século XIX, cativar leitores de todo o mundo e de inúmeras gerações e de, mais de 150 anos depois, continuar a ter os seus livros publicados e adaptados a outras formas artísticas, como teatro ou cinema. Considere-se, pois, o filme de Christofe Honoré que estreou em 2018 numa adaptação perfeita d’Os Desastres de Sofia, onde são espelhadas as várias traquinices que ilustram fielmente a perspectiva da criança e a exasperação dos adultos.
As minhas personagens predilectas sempre foram a Sofia, a Madalena e a Camila, tão carismáticas quanto sensíveis. Ao longo do tempo, ainda criança, sempre nutri um carinho por especial por Sofia, por a ter encarado sempre como uma criança incompreendida que, na verdade, provocava e incentivava o mau comportamento e a falta de discernimento em ocasiões variadas. Esta incompreensão e a sua vontade de crescer desperta em si emoções e sentimentos que não consegue identificar, dada a sua idade, e com os quais não consegue lidar. Sofia não é, nem nunca foi, má. Era, sim, uma criança solitária num mundo de adultos, regras apertadas e casas labirínticas que sonhava ter uma oportunidade de ser feliz – à sua maneira.
Mas serão estas traquinices um grito de liberdade? Um pedido de ajuda? Afirma Carla Maia de Almeida, no prefácio, que sim. Que a criança está acorrentada e que a forma de se libertar é precisamente agindo conforme pode, quer e sabe. Mas talvez seja mais que isso: Condessa de
Ségur, mulher de uma família aristocrática, nasceu e cresceu no seio da alta sociedade russa e francesa. As histórias que criou são possivelmente o espelho daquilo que os seus oito filhos viveram, e que os seus netos haviam de viver, resultando na criação de uma personagem única que encarna aquilo que é ser criança: a cedência a tentações, a impulsividade, a crença de que se vence sempre, a distracção, a imaginação, a perspectiva de um mundo enorme quando se tem pouco mais de um metro de altura.
As histórias, tão inocentes quanto complexas no que respeita a eventos familiares, a obstáculos na integração social e o esforço para o alcance de realização pessoal, são verdadeiramente encantadoras e verdadeiros representantes da infância. “Os Desastres de Sofia” consiste, pois, na lista dos livros recomendados pelo Plano Nacional de Leitura, pelo que se torna essencial que as crianças tenham contacto pelo menos uma vez com este título (ou, a verdade, com qualquer um dos livros da autora).
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