Quem diria que o mais irreverente, cerebral e genial detective saído das páginas impressas seria inventado por um médico escocês que, para além de ter criado uma das mais cativantes duplas dedicadas a deslindar os casos mais bicudos, ainda arranjou tempo para escrever também romances históricos, ficção científica, teatro, poesia e até livros de espiritismo?
Nascido em Edimburgo a 22 de Maio de 1859, Arthur Conan Doyle licenciou-se em Medicina em 1885. Curiosamente, terá sido um seu professor, o médico e cirurgião Dr. Joseph Bell, a inspiração maior para a criação de Sherlock Holmes, cujas aventuras, quase sempre na companhia do sempre leal Dr. Watson, começariam em 1887 com a publicação de “Um Estudo Vermelho” na revista Beeton’s Christmas Annual. O êxito foi estrondoso, começando aí a história de umas personagem que tem atravessado gerações e servido de mote a muitas adaptações sobretudo televisivas, onde se destaca a recente série Sherlock, protagonizada por xxx.
Recomendadas para o 3º Ciclo, “As Aventuras de Sherlock Holmes” (Fábula, 2019) chegam agora à Colecção Tesouros da Literatura, sempre com prefácios de Maria do Rosário Pedreira e capas deliciosamente ilustradas. Neste livro estão reunidos alguns dos melhores contos policiais protagonizados por Sherlock, sempre com a narração do Dr. Watson, que mostram toda a mestria de Holmes, que com a sua capacidade alienígena de observação e dedução parece por vezes ter em si poderes sobrenaturais – noutra época, como a certa altura diz Watson, Holmes seria certamente acusado de bruxaria.
São, ao todo, 12 aventuras, onde o leitor se deixará levar pelas capacidades divinatórias de Sherlock Holmes, podendo arriscar também a sua sorte antes de o mecanismo de dedução começar a girar a uma velocidade furiosa.
“Um Escândalo na Boémia” passa-se após o casamento de Watson, e envolve um caso de chantagem à volta de uma fotografia onde um monarca foi apanhado numa situação algo embaraçosa. Apesar da mestria do disfarce e de um método dedutivo exemplar, Holmes irá lidar pela primeira vez com Irene Adler, que fará com que passe a olhar para as mulheres com o nariz menos levantado.
“A Liga dos Ruivos” apresenta-nos ao Sr. Wilson, dono de uma loja de penhores, que respondeu a um anúncio para um trabalho muito bem pago, onde o único requisito seria permanecer no escritório durante as horas do expediente a copiar a Enciclopédia Britânica. É neste conto que Sherlock defende que os crimes banais ou vulgares são aqueles que se revelam mais enigmáticos e difíceis de resolver, deixando também um mantra que lhe serve de luz: “A minha vida não é mais do que uma longa tentativa de escapar às suas banalidades”.
“Um Caso de Identidade” retoma a eterna discussão entre Holmes e Watson sobre aquilo que é mais estranho, se a realidade – Sherlock – ou a ficção – Watson. Aqui o caso gira à volta de um homem que desapareceu no dia do casamento sem aparentes razões para tal, e será talvez o conto mais fácil de ser deslindado pelo leitor.
“O Mistério do Vale de Boscombe” revela mais uma das tiradas pelas quais Sherlock regula o seu processo mental: “As provas circunstanciais são perigosas”. O detective britânico irá tentar salvar da forca um jovem acusado de ter assassinado o pai, ao mesmo tempo que irá dar um valente baile ao inspector Lestrade, personagem que encontraremos em muitas histórias futuras.
“Os Cinco Caroços de Laranja” revisitam os tempos do Ku Kux Klan, onde um cliente, que herdou a propriedade do pai, recebe um envelope com cinco caroços secos de laranja, o que, a manter a tradição de pai e tio, só poderá significar que tem a cabeça por um fio. É neste conto muito bem desenhado que encontramos uma muito divertida descrição de Holmes por Watson feito nos primeiros dias da sua amizade: “Zero a filosofia, astronomia e política. Mais ou menos a botânica; em geologia, conhecimentos profundos quanto a manchas de lama num raio de 80 quilómetros da cidade. Em química, conhecimentos excêntricos, e desprovido de um sistema organizado em anatomia, gosto por uma literatura de fraca qualidade, sensacionalista, e um currículo sem par na resolução de crimes; violinista, pugilista, esgrimista e advogado”.
Em “O Homem do Lábio Torcido”, Holmes surge disfarçado numa casa de ópio para deslindar um aparente homicídio, cometido por um mendigo profissional sobre um homem de boas famílias, cujo casaco apareceu a flutuar mas não o corpo.
“A Aventura do Carbúnculo Azul” é um dos mais alucinados contos deste volume, onde Holmes terá de descobrir a quem pertence um chapéu velho e um ganso, perdidos durante um confronto com um grupo de rufias. Sherlock mostra aqui o seu lado humano, que não vai necessariamente na direcção do cumprimento da lei.
“A Aventura da Faixa Malhada” é, de acordo com o escriba Watson, o caso mais invulgar com que se depararam, onde irão investigar uma morte precedida por um assobio e um som metálico. Um conto com ecos de xxx, romance policial de xxx.
“A Aventura do Polegar do Engenheiro” envolve um cliente que perdeu o dedo durante a reparação de uma máquina com um propósito suspeito; em “A Aventura do Solteiro Nobre”, a dupla tentará descobrir uma noiva que desapareceu durante o almoço da boda; “A Aventura da Coroa de Berilos” parte de um volumoso adiantamento bancário para um conto onde um símbolo da nação acaba destituído de três preciosas pérolas; a terminar, “As Faias Cor de Cobre” apresenta-nos a uma rapariga que recebeu uma aparentemente irrecusável proposta para ser governanta, onde em troca de um salário chorudo terá de tomar conta de uma criança, usar um vestido azul, cortar o cabelo muito curto e sentar-se aqui e acolá quando lhe pedirem.
Um livro que serve de exemplar cartão-de-visita para que a pequenada conheça este singular universo criado por Conan Doyle, que deixou como legado à literatura policial uma das suas mais incríveis e imortais duplas.
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