Aceitar o convite para uma viagem no comboio da noite com Martins Amis é assumir que se vai mergulhar numa realidade paralela, cáustica e com um sentido de humor mordaz. À semelhança de outros livros deste que é considerado um dos autores britânicos mais arrogantes, também este empurra o leitor de um abismo para que autor, leitor e personagens possam sofrer juntos e colocar as mesmas questões. Respostas? Isso é com cada um.
Mike, uma polícia Norte-americana, defronta-se com um cenário de crime terrível, um dos piores com que já se deparou na sua carreira. Sabendo que tudo aponta para suicídio, Mike avança na investigação para esclarecer a história desta noite e procurar a resposta para a grande questão: se foi suicídio, porquê?
Para começar, é preciso reconhecer mais uma vez o talento do autor na criação de personagens fortes, tridimensionais e complexas. Mike é uma mulher de armas (figurativa e literalmente). O seu passado pesa-lhe, o seu trabalho marca-a, os seus círculos sociais justificam-na. A sua voz, que nos conta a história do que se passou desde a descoberta do corpo e a resolução, sussurra-nos ao ouvido e conta-nos tudo aquilo que precisamos de saber, partilhando até alguns dos seus segredos connosco para que não nos falte nada para compreender a sua opinião sobre este caso.
Descobrir o que se passou com Jennifer Rockwell, a vítima, é muito mais do que deslindar um caso policial. “O Comboio da Noite” (Quetzal, 2019) é um monólogo sobre o suicídio, o sentido da vida e o entendimento do destino de cada um. Portanto, Mike não se limita a falar connosco. Rapidamente este monólogo se torna num diálogo que temos com a protagonista e connosco próprios, num exercício que Martin Amis faz para envolver o leitor em todo o processo.
Ler este livro, ou qualquer outro de Martin Amis, é uma experiência: cheiros, ruídos, texturas. Tudo está presente de forma assustadoramente real. É ler um livro cujo filme já se viu, pois vemos as imagens a surgir-nos à frente, os cenários a criar forma, as personagens a respirar, o movimento a acontecer. Cuidado com este comboio da noite.
2 Commentários
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Obrigada pela sua partilha.
Nao conheço o autor mas fiquei bem curiosa em relação às sua forma de escrever.
Um beijinho