Sara Blaedel confirma, em “A Deusa da Vingança” (Topseller, 2019), a engenharia do mistério nórdico com uma rede de crimes, suspeitas e mistérios entrecruzados. E talvez seja essa uma das maiores surpresas deste livro, a continuação de “Mulheres na Noite” – também editado pela Topseller no ano passado -, onde há uma continuidade entre a vida de alguns dos personagens como Camila, a jornalista em viagem pelos EUA – e, ainda assim, profundamente ligada ao que vai acontecendo em Copenhaga -, ou Louise, a inspectora solitária, cuidadora de Jonas, jovem órfão com o qual tomou contacto na investigação do homicídio do pai.
Como a própria autora refere na nota final de agradecimento, “A Deusa da Vingança”, sendo uma narrativa ficcional, poderia ter acontecido, tendo a ideia da história surgido de actos reais, de um grupo de pessoas que invadiram uma festa, arruinando-a. A narrativa da acção desenrola-se em sítios com muito de comum com locais reais, enriquecida pela relação que a autora tem com elementos das forças especiais, peritos forenses e jornalistas.
Através da inspectora Louise Rick avançamos por um romance investigativo, acompanhando a sua linha de pesquisa, a ligação que estabelece com vítimas e suspeitos, a confluência de ocorrências e a imprevisibilidade de ligações. Uma escrita transparente, fiel à narrativa urbana que explora o “imperfeito” por trás da imagem de perfeição e normalidade nórdica, apegada aos problemas da vida quotidiana, para além do enredo policial propriamente dito.
Podendo considerar-se uma fiel representante do thriller dinamarquês, Sara Blaedel consegue, neste seu novo romance, explorar com mestria a intimidade e a melancolia de vítimas e suspeitos, ao mesmo tempo que expõe conflitos latentes na sociedade.
Os requisitos para aproveitamento cinematográfico estão reunidos: Rostos da Morte, uma série de filmes que mostram pessoas reais a serem mortas, exibindo homicídios gravados em directo; uma brigada de investigação de homicídios, orientada por um superintendente rude e arrogante; problemas familiares e emocionais dos operacionais policiais; fronteiras ténues entre vítimas e agressores e, não menos relevante, a exploração do impacto do sofrimento, da morte e da procura de explicação para o inexplicável por trás da barbárie.
Quando é que a dor se transforma em ódio e a perda em vingança? Que questões de moralidade e legitimidade podem derivar da perda quando a morte deixa vidas em suspenso?
A tensão vibratória e a adrenalina da investigação vão para além dos crimes de sangue, quando se percebe a burla perpetrada por um dos consultores de investimentos mais respeitáveis do país. Uma vida dupla por trás da fachada bondosa e respeitável.
No cômputo, uma narrativa fiel ao estilo intimista e melancólico do policial nórdico, curiosamente compensado pela diversidade, intensidade e imprevisibilidade do enredo e do seu desenlace.
Sem Comentários