Nestes últimos anos, tem-se tornado cada vez mais evidente, no plano editorial nacional, um aumento de interesse pela BD do género biográfico. As publicações de “Fun Home”, pela Contraponto e de “Blankets”, pela Devir, bem como as reedições de “Persépolis” e “MAUS” pelas mesmas Contraponto e Bertrand, respectivamente, assim o provam. Estamos a falar de BD’s internacionalmente aclamadas, surgindo como apostas mais seguras num mercado que é, só por si, trémulo no seu melhor.“Comprimidos Azuis” (Devir, 2012 – reedição 2015), editado em 2012, segue esta aparente tradição, tratando-se de mais uma aposta de valor no género por parte da Devir.
Qualquer escritor reconhece a importância do conhecimento sobre qualquer história que vá escrever. Se a teoria pode ser incompleta sem a prática, é comum que a vida de cada autor seja usada nos seus trabalhos, misturando-a com elementos de ficção ou contando, literalmente, parte dela. Neste “Comprimidos Azuis”, Frederik Peeters traz-nos uma história de amor entre Fred e Cati, um casal que, através do amor, terá de enfrentar um enorme peso invisível que irá sempre pairar na sua relação: o do vírus da imunodeficiência humana, vulgarmente apelidado de VIH e do qual Cati é portadora. Baseando-se na sua vida pessoal, Peeters traz-nos aqui uma história sincera de partilha, uma forma de mostrar ao mundo como o amor pode triunfar sobre o medo, demolindo, ao mesmo tempo, fantasmas e falsas concepções que foram sendo criadas em torno do vírus.
O desenvolvimento destes sentimentos, ao longo da história, tem sempre uma honestidade tão presente que nunca entra por campos do melodrama ou da propaganda. E, apesar das adversidades inerentes a esta batalha – porque ser portador do vírus é uma batalha interior para a vida -, esta não deixa de ser, no seu âmago, uma história positiva. Não é à toa que em algumas edições tenhamos como sub-título “Uma história de amor positiva”.
É certo que o VIH irá estar sempre presente, qual figura aterradora que espreita por entre as sombras, numa qualquer relação. No entanto, é verdadeiramente inspirador constatar como o amor pode prevalecer e triunfar sobre o mesmo. Mais do que uma doença, “Comprimidos Azuis” é sobre pessoas, sobre o que as motiva e as afasta. É sobre o percurso de um homem que, a dada altura na sua vida e ao mesmo tempo, se viu confrontado com o seu maior desafio e a sua maior recompensa. É na sua viagem interior, tão humana, que a força deste livro se encontra e que o fará perdurar ao longo do tempo.
Como na maioria dos livros deste género, “Comprimidos Azuis” opta pelo preto e branco. O traço de Peeters é sempre seguro e, acima de tudo, imensamente expressivo, tanto na forma fluída como pinta com o negro como nas várias expressões das personagens, cuja emoção é sempre tão percetível para o leitor.
“Comprimidos Azuis” é mais uma aquisição da Devir para a sua colecção Biblioteca da Alice, cujo mote nasceu da frase “para que serve um livro se não tem imagens ou diálogos?”, retirada do primeiro parágrafo do clássico de Lewis Carrol, “Alice no País da Maravilhas”. Juntamente com “Blankets” e “Habibi” de Craig Thompson, esta Biblioteca promete ser um dos grandes trunfos da editora. Que venham muitos mais como este no futuro.
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