O que haverá de comum entre as ruas de Paris de Van Gogh e os campos japoneses com as cerejeiras em flor? É preciso ler “Sakura” (A Esfera dos Livros, 2019) para, ao virar de cada página, ser capaz de decifrar enigmas, compreender a natureza humana e estar atento aos detalhes e à simbologia das sakura. No Japão, estas simbolizam a natureza efémera da vida. Tal como as cerejeiras em flor, na vida e na arte a beleza, a graciosidade, a delicadeza e a volatilidade marcam presença e fazem a diferença.
Tudo começa na galeria de arte Boutique du Pére Tangury, onde passado pouco tempo as “luzes apagam-se, deixando a sala unicamente iluminada por uns pequenos pontos de luz junto ao chão. E no monitor da parede surgiu uma das últimas obras pintadas por Vicent van Gogh antes de falecer: o famoso Retrato do Doutor Gachet, o médico que, por recomendação de Camille Pissarro, tratava a sua perturbação melancólica em Auvers-sur-Oise”. Em 1990, o Retrato do Doutor Gachet, pintado por Van Gogh, ficou ainda mais famoso por ter sido o quadro que atingiu o valor mais elevado num leilão de arte – atingiu o recorde de oitenta e dois milhões e quinhentos mil dólares. Foi comprado pelo milionário japonês Ryoei Saito.
Existem duas versões deste retrato, ambas executadas em Junho de 1890 – a segunda versão da obra encontra-se no Museu d`Orsay, em Paris. Em ambas as versões o Dr. Gachet surge sentado à mesa, com a cabeça apoiada no braço direito. Apesar da semelhança na forma, são facilmente diferenciáveis pelo seu estilo. As cores utilizadas nas duas versões não são as mesmas, mas é sobretudo na pincelada que diferem.
Matilde Asensi escreveu Sakura inspirada num caso verídico. O milionário japonês Ryoei Saito, furioso com o pagamento de impostos elevadíssimos pela compra da obra de arte imposto pelo governo japonês, anuncia que o quadro desaparecerá com a sua morte, cremado juntamente com o seu corpo.
Em 1996, com a morte Ryoei Saito, o quadro nunca mais foi visto. Os enigmas sucedem-se. Matilde Asensi, numa escrita rigorosa e ritmada, dá vida a um grupo de cinco pessoas que contribuem significativamente para desvendar os mistérios desta aventura cultural, histórica e artística, focada em encontrar o quadro desaparecido. O grupo de cinco pessoas, tão desiguais, vão entrelaçando afinidades, simpatias e interesses, relevantes para o sucesso da aventura.
Durante a leitura são várias as referências ao quadro, à pintura de Van Gogh, às técnicas de pintura, às texturas e às misturas necessárias para conseguir a cor perfeita e a preferida do artista: “Van Gogh nunca usava o azul-cerúlo – protestou Ichiro. Não gostava da cor. Preferia usar azul-cobalto ou ultramarino com amarelo de cádmio”. A discussão entre galeristas sobre as vantagens das plataformas de leilões online conduz-nos a uma reflexão sobre o valor da arte, bem como à democratização da estética no mundo contemporâneo.
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