“O meu nome é Esther e tenho 9 anos. Moro em Paris, no 17º bairro”. Sejam muito bem-vindos a Paris e a esta espécie de diário gráfico, saído da mente inquieta e muito observadora de uma jovem que tem “Rapunzel” como filme preferido, delira com a série da Violeta, anda no 4º ano mas já de olho no 5º, sonha dia sim dia sim com ter um iphone – ou pelo menos um telemóvel fixe – e que tem, como família, um pai professor de educação física, uma mãe que trabalha num banco e um irmão mais velho, com quem não se dá mesmo nada bem.
Assinado por Riad Sattouf – filho de pai sírio e mãe francesa -, “O Diário de Esther” (Gradiva, 2019) foi desenhado a partir das histórias da filha de um casal de amigos do autor, que chegam ao papel sem qualquer moldagem – desenhadas com o estilo muito próprio de Sattouf no que toca ao traço e à utilização parca mas saturada de cores. Talvez por isso surjam, a espaços, declarações moralmente chocantes para o leitor, mas que são parte fundamental e inescapável da infância, do processo de crescimento e da formação da personalidade de um futuro adulto.
Entre o riso e a preocupação, a sociologia e a etnografia, o leitor terá acesso a um fascinante, sincero, inocente e implacável retrato da juventude dos nossos dias, das suas alegrias e das suas misérias, dos seus gestos, palavreado e atitude perante o desenrolar dos dias e do mundo que se estende à sua frente, sem qualquer filtro que o assista (e ainda bem).
Por esta altura, Esther, que tem como sonho tornar-se uma cantora profissional, está embevecida pela flexibilidade e boniteza dos famosos – sobretudo a sua loirice -, vendo essas duas qualidades como um passaporte seguro para a felicidade – Beyoncé, claro está, surge à cabeça como o ideal de mulher a seguir.
Nestes dois primeiros volumes – correspondentes ao primeiro volume na edição original -, aprendemos os palavrões mais utilizados pelos rapazes, vemos as miúdas brincar aos pais e às mães e a outros jogos de faz-de-conta, observamos bullys mais ou menos improváveis em acção, tudo isto enquanto se abordam temas como o estigma da homossexualidade, os estereótipos masculinos e femininos, as religiões, o terrorismo, as incertezas e os medos em relação ao corpo ou o racismo.
O projecto de Riad Sattouf passa pela edição de um livro por ano – o primeiro saiu em 2016 e corresponde aos 10 anos de Esther, aqui servido em dois volumes -, nove no total, que irão acompanhar a vida de Esther entre o seu 10º e 18º aniversário, viajando entre 2016 e 2024. Espera-se agora que a Gradiva mantenha a pedalada e possa servir, ao leitor português, este incrível e sincero diário. Obrigatório para fãs de banda desenhada servida às tiras – e para pais com filhos pequenos.
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