“Literatura Hoje. Faz Sentido?”. Foi este o tema do “ensaio” que o Jovem Conservador de Direita levou na passada quinta-feira ao festival literário Livros a Oeste, lançando uma interrogação cuja resposta foi dada na sua página facebook em modo spoiler alert: não.
Apesar deste cenário a roçar o apocalíptico, o Doutor que tanto prezamos – e que no BI assina como Bruno Henriques, um nome algo esquerdalha – trouxe consigo o seu melhor fato, impecavelmente bem-passado, bem como o seu Estagiário de estimação – que recebe as contas da água em nome de Sérgio Duarte – e uma edição de luxo do The Literary Almanac, que teve direito a uma poltrona só para si.
Após declarar o “museu ao ar livre dos dinossauros algo mortiço”, apontou o haraquiri – “não é Murakami” – como a mais do que provável causa para o assassínio da literatura, rejeitando todo e qualquer suspense e indicando, as últimas páginas, como o lugar de eleição do leitor: “Quando leio Agatha Christie vou logo ao fim, não gosto de suspense. Vou sempre para o último capítulo. Isso ou prefácios, sobretudo aqueles mais intelectuais. Não precisei de ler a Ilíada depois daquele prefácio do Frederico Lourenço”.
Em nome da honra dos mercados, que não têm tempo para esperar pelo próximo Guerra e Paz pois há que fazer pela vidinha e apresentar resultados trimestrais, o Doutor Jovem indicou, para aqueles que ainda assim queiram tentar o ofício de escritor, oito pontos para o sucesso – mostrados através de uns slides manhosos, que iam sendo projectados por um outro estagiário provavelmente não-remunerado -, valendo qualquer um deles para uma fuga ao anonimato ou a criação de uma razoável conta no banco.
Algo que o Doutor considera infalível é aquele livro que, no título, tenha a palavra Auschwitz, “idealmente com uma profissão por perto”. E, se quanto a isso já tivemos um tatuador, uma bibliotecária, uma bailarina ou mesmo um farmacêutico, por que não passar ao próximo nível e incluir ocupações mais modernas e necessárias como consultor financeiro, gestor de redes sociais e influencer?
Outra razão infalível, ainda que implique um maior jogo de cintura, é conseguir o estatuto de figura pública, onde já estão ilustres como Cristina Ferreira, Daniel Oliveira ou Miguel Sousa Tavares, cuja acusação de plágio de que foi alvo é para o Doutor uma farsa, uma vez que se tratou apenas de um caso de “benchmarking aplicado à literatura”. Já José Rodrigues dos Santos é alguém que “não sabe escrever”, mas que teve olho para instalar “uma fábrica no Paquistão”, onde crianças escrevem os seus livros 24 sobre 24 horas depois de estudarem a obra de Dan Brown de uma ponta à outra.
Menos trabalhoso será, talvez, enveredar pelo caminho dos policiais nórdicos, com o Doutor a deixar um conselho para aqueles que por cá já se dedicam aos livros policiais. Moita Flores, por exemplo, poderá enveredar por um mais estiloso Moita Florssen ou Zlatan Moita Flores. Outra dica será a reinvenção de todo o espaço geográfico, trocando, por exemplo, o nome da Avenida dos Aliados por um mais catchy Aliados Strassen.
Quase infalível é, também, o universo da literatura infantil, que por esta altura está já farta de histórias tradicionais com uma moral ultrapassada, como são os casos de A Bela e o Monstro – “Se ela não gostar de vocês fechem-na em casa que ela aprende num instante” –, ou a Branca de Neve – “Se for bonita pode invadir propriedade privada, desde que faça a lida da casa”. Por estes dias, o que as crianças querem mesmo é “ler livros de pessoas que são analfabetas – os youtubers”. Ao pé de nomes como o Doutor Darkframe, que fez chegar às livrarias o seu “Experiências Loucas e Factos Bizarros”, Carlos Fiolhais é um autêntico menino do coro científico.
Escrever “livros da mesma espécie” pode ser também uma boa escolha. Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, por exemplo, “criogenaram 5 crianças e dois cães, que têm mais de 40 anos mas continuam no sétimo ano porque estão sempre a resolver crimes”. Mantendo a conversa em tons canídeos e aludindo ao Inspector Max” – “era o cão que fazia o trabalho todo” -, o Doutor sugeriu a substituição dos juízes do Tribunal Constitucional por cães, criando desta forma um sistema judicial mais justo: “Se lambessem o réu, este estaria inocente; se mostrassem a barriga o Estado teria de pagar uma indeminização; se mordessem ou rosnassem iam dentro”. Uma medida que poderia ser aplicada “em degradé”, indo dos caniches aos pit bull.
O apelo ao romantismo é, também, um tiro no centro do alvo. Demasiado ocupados com as suas carreiras de sucesso, os homens deixam as suas mulheres entregues à família Carreira – “há Carreiras para vários targets” – ou a livros como “As Cinquenta Sombras de Grey”, onde “um homem de sucesso abusa da sua secretária mas com consentimento. Se forem homens de sucesso já vale usar o chicote”. Grey que, de acordo com o Doutor e o Estagiário, foi o desempate inevitável do “Twilight”, onde uma jovem se encontrava dividida entre vampiros e lobisomens. Mas atenção. Estes livros, tais como os do Chagas Freitas, só podem ser oferecidos a mulheres – ou, se quiserem, como um presente insultuoso dado a um homem.
Outro bom mercado é o da ficção científica, “o único mundo onde a esquerda funciona. Acho bem que, em vez de irem a manifestações, os esquerdalhos fiquem em casa a criar ficções como a do Dune, onde minhocas gigantes cagam umas cenas que servem para combater o aquecimento global”.
Por último e em grande expansão estão os livros que ralham, anteriormente designados de livros de auto-ajuda, que perderam a designação original por terem, eles próprios, desistido das pessoas – mas não dos leitores, que os continuam a comprar como pães quentes. Nos tops encontramos livros incríveis – e cheios de asteriscos – como “A Arte Subtil de Saber Dizer Que Se F*da”, “Desenmerda-te Mindset” e “Não Te F*das”, prevendo-se que o próximo patamar reserve outros tantos mais arrojados como “E se te fosses f*der?”, “Vai chatear o *ara*ho” ou “Vai para a *uta que te pariu”. Um pouco como “ter o Fernando Rocha a escrever livros de auto-ajuda”.
Mas o que será, então, a literatura do futuro? “Os youtubers vão ser os Tolstoi dos 2100 e os livros vão ser supositórios”, mesmo que isso traga desde logo um problema: “não se podem emprestar”. Surgirão assim os “médicos do rabo”, que com luvas de látex irão aplicar a literatura pelo ânus. Mas atenção. Se a coisa tiver mais de um volume, ouvir-se-à um “tome este agora e um outro para a semana”, apenas por precaução e para evitar a sobre-dosagem.
Para o Doutor, “o período das trevas foi considerar a literatura uma arte”, recuando na linha temporal até aos bons tempos da Suméria, onde a escrita nasceu pelo nobre princípio das finanças e da contabilidade. O pior veio mais tarde com os esquerdalhos, que “fumavam ganzas e se esqueciam das coisas”, daí terem subvertido a nobre e mercantilista missão da escrita para criar uma menos nobre.
A finalizar, não poderia faltar um miminho dirigido ao Dr. Nuno Melo, que “tem limitações mas usa fato para parecer uma pessoa normal. O seu vocabulário mirra com os anos e agora reduz-se a Sócrates e Venezuela. Anda a passar vergonha desde que me bloqueou no facebook, mas tem um cabelo que lhe vale 70% dos votos, apesar da pouca memória. É a Dory do Capitão Nemo mas com um cabelo sensual”.
Na próxima semana e em jeito de lançamento das Europeias, o Deus Me Livro irá publicar uma entrevista ao Jovem Conservador de Direita. O aviso fica dado: preparem-se para chorar de tanto rir.
—
Fotos gentilmente cedidas pelo Município da Lourinhã.
O Deus Me Livro esteve na Lourinhã a convite do Município da Lourinhã, organizador do festival literário Livros a Oeste – com o programador João Morales.
Sem Comentários