Escrito no ano de 1907, “O Mistério do Quarto Amarelo” (Livros do Brasil, 2019 – nova edição) continua a ser considerado um dos grandes policiais da história, muito provavelmente pela sua grande teia analítica e uma trama muito bem montada, num convite constante ao leitor para tentar descobrir a brecha que permita desvendar este mistério que está para lá da resolução do Cubo de Rubik.
Nascido em Paris a 6 de Maio de 1868, Gaston Leroux formou-se em Direito, enveredou pelo jornalismo e veio a tornar-se num dos mais conhecidos repórteres do seu tempo. “O Mistério do Quarto Amarelo” foi o seu primeiro êxito literário, o primeiro de uma série que tem como protagonista o repórter-detective Rouletabille, cujas aventuras foram por diversas vezes adaptadas ao grande ecrã. Com mais de uma trintena de romances e peças teatrais, Gaston publicou em 1910 “O Fantasma da Ópera”, considerado por muitos a sua obra-prima. Viria a falecer em Nice, a 15 de Abril de 1927.
Além de uma trama matemática de eleição, “O Mistério do Quarto Amarelo” é atravessado por um humor muito particular, que não esconde um certo narcisismo – referido como amor-próprio – e irreverência. Logo de entrada, o leitor depara com esta citação da parte do narrador, encantado com a argúcia do repórter Rouletabille – que assina no BI como Joseph-Joséphin: “…não conheço, no domínio da realidade ou da imaginação, mesmo no autor de Os Crimes da Rua Morgue, mesmo nas invenções dos sub-Edgar Poe e dos truculentos Conan Doyle, onde possa haver algo de comparável, quanto a mistério, ao natural mistério do quarto amarelo“.
A trama, essa, vai mais ou menos assim, como reza a contracapa: “A menina Stangerson acabara de se retirar para o quarto quando um ruído de luta, um disparo, um grito de «Assassino!» ecoam pela casa. Assim que a porta do quarto é derrubada, revela-se um cenário assustador: a jovem encontra-se caída numa poça de sangue, mas, apesar de a porta estar trancada e a janela ser gradeada, não há mais ninguém naquela divisão. Como é que o atacante escapou?“.
Do assassino, apenas terá ficado uma ténue pista: “as marcas ensanguentadas de uma grande mão de homem nas paredes, um grande lenço vermelho de sangue, sem nenhuma inicial, uma velha boina e a marca recente, no soalho, de numerosos passos humanos“. Uma pista fraca que chega, ainda assim, para Rouletabille lançar a sua primeira impressão sobre o assassino: “Julgo-o se não um homem de sociedade, pelo menos de uma classe bastante elevada…“.
Com muito jogo de cintura e um conhecimento apurado dos corredores da justiça e da investigação, Rouletabille torna-se parte da investigação conduzida pelo inspector Frédéric Larsan, que desde logo aponta aquele que será o mais que provável suspeito: Robert Darzac, que segundo os rumores iria casar em breve com a menina Stangerson.
Numa trama que envolve o estudo da dissociação da matéria, o receio do diabo, um homem verde ou a ideia forma de que não deveremos querer conhecer de perto os nossos heróis ausentes, Gaston Leroux oferece ao leitor um policial atravessado pela lógica, convidando-o a puxar pelas células cinzentas e a encontrar, sem a ajuda de calculadora, o resultado desta difícil equação.
Mesmo que longe do ideal de policial contemporâneo, que nestes dias teima em chegar das mesmas frias latitudes, “O Mistério do Quarto Amarelo” junta uma boa trama, um humor irrequieto, um guia passo a passo para uma investigação policial, um narcisismo a la française e, a rematar, um twist que não estaria certamente nos planos do leitor mais atento. Chapeau, Mr. Leroux. Um grande chapeau.
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