Francis Fukuyama, cientista político e economista norte-americano, que ficou célebre com o livro “O Fim da História e o Último Homem”, surpreende-nos agora com um novo título: “Identidades” (D. Quixote, 2018) – com o subtítulo a exigência de dignidade e a política do ressentimento.
Identidade ou identidades? Quem somos? Quão valiosa é a individualidade? Estas e muitas outras questões são colocadas ao longo do livro, que parte da clarificação do conceito de identidade. O autor começa por afirmar que, no “Ocidente, a ideia de identidade nasceu, em certo sentido, durante a Reforma protestante (…). Lutero foi um dos primeiros pensadores ocidentais a articular e valorizar o eu interior acima do ser social externo”. É, no homem interior, que reside a identidade, que deverá ser entendida como o conjunto de características inerentes, próprias, a partir das quais se diferenciam dos demais.
Fukuyama elucida que o conceito – identidade – tem sofrido uma evolução, e que o “conceito moderno de identidade dá um supremo valor à autenticidade, à validação do ser interior ao qual não é permitido exprimir-se. Está do lado do ser interior e não do exterior. Muitas vezes uma pessoa pode não compreender quem é realmente esse ser interior, pode ter só uma vaga ideia de que está a ser forçado a viver uma mentira. Isso pode levar a uma concentração obsessiva na pergunta: Quem sou eu, afinal?”.
Ainda no âmbito da elucidação do conceito, o autor considera que existem três fenómenos diferentes. O primeiro é o thymos, “um aspeto universal da personalidade humana que anseia reconhecimento. O segundo é a distinção entre a pessoa interior e a exterior e o alçar da valorização da pessoa interior. (…) O terceiro é uma evolução do sentimento de dignidade”, cujo reconhecimento deve ser universal. A propósito da dignidade são mencionados pensadores de referência do universo político e filosófico, tais como Sócrates, Rousseau, Kant e Hegel. Centrando-nos em Kant, no seu projecto filosófico entendemos a dignidade como um valor moral e espiritual inerente à pessoa humana, ou seja, todo o ser humano deverá agir de acordo com o imperativo categórico e alcançar a universalização, alargando este conceito a um projecto político e social, essencial para pensar o conceito de pessoa humana. A dignidade assenta na liberdade moral, rejeitando qualquer valorização de interesses particulares.
“Identidades” retrata como as exigências das identidades conduzem a actualidade política internacional, moldam grupos e fomentam o sentimento de pertença contra a abstracção da sociedade, exemplificando esta ideia com o Estado Islâmico – sendo outros nacionalismos também abordados e analisados. A identidade nacional é germinada na crença da legitimidade do sistema político do país, onde a democracia não é relevante. Os nacionalismos estão de volta e, talvez por isso, mais do que nunca é necessário que a questão “ Quem sou eu?” esteja presente na nossa mente e que nos ajude a renovar, reorganizar o relacionamento entre as sociedades e no seio da sociedade; a questionar o cânone de valores, a repensar a apropriação do conceito alteridade, de modo a expandir as políticas anti-imigração e a dedicar-se a outras questões fracturantes.
Fukuyama induz-nos à reflexão do que diferencia as esquerdas e as direitas, numa análise abrangente e focada na Europa e nos Estados Unidos da América, concluindo que a esquerda se tem “focado menos na igualdade económica em termos gerais e mais em promover os interesses de uma ampla variedade de grupos que são percebidos como marginalizados – negros, imigrantes, mulheres, hispânicos, a comunidade LGBT, refugiados e outros parecidos”. Simultaneamente, a direita “está a redefinir-se como patriota que procura proteger a identidade nacional tradicional, identidade que muitas vezes é associada a raça, etnicidade ou religião”.
As ideias defendidas pelo autor são enquadradas e fundamentas em acontecimentos histórico-políticos, assim como em teorias filosóficas que possibilitam novas leituras, novas pesquisas, uma verdadeira oportunidade de ampliar o conhecimento – não esquecendo a qualidade das notas, da bibliografia e do índice onomástico. Um livro recomendado para quem se interessa por questões políticas, filosóficas, históricas, sociológicas mas, também por questões religiosas e económicas.
No início do livro é-nos apresentada a economia comportamental, uma vez que a economia se tornou, nos dias de hoje, uma “ciência social dominante e prestigiosa porque as pessoas se comportam de facto, a maior parte do tempo, de acordo com a versão mais restritiva que os economistas têm da motivação humana”. A exigência de dignidade e a política do ressentimento expressa em “Identidades” incentiva à reflexão sobre questões actuais, aguçando também o espírito crítico porque, afinal, não somos obrigados a concordar com a leitura sobre o mundo que o autor oferece.
Francis Fukuyama nasceu em 1952, em Chicago, nos Estados Unidos da América. Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Harvard, é investigador no Center on Democracy, Development and the Rule of Law, da Universidade de Standford. Integrou o Departamento de Política Social da RAND Corporation e o staff de Planeamento de Políticas do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Foi professor na Johns Hopkins University e na George Mason University, e fez ainda parte do Conselho de Bioética do Presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2004.
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