Em “A Casa na Praia” (Editorial Presença, 2018), tudo começa com um convite entre amigos, quando Magnus Lane empresta a sua casa da Cornualha ao seu grande amigo de sempre, Dick Young, para este passar férias com a família. O primeiro é um investigador brilhante no campo bioquímica; o segundo, um editor que se encontra numa encruzilhada de vida, terminando por sua iniciativa um trabalho de longa data com editora em que trabalhava e vendo-se pressionado por Vita, a sua mulher norte-americana, para mudar de Londres para o seu país de origem, onde Dick terá oportunidades seguras e vantajosas através dos seus familiares.
Magnus, porém, tem uma proposta alternativa para Dick, que como sempre aceita o desafio. O ascendente encantatório que Maguns exerce é inegável e, não obstante os efeitos secundários sentidos na boa saúde da conjugalidade, Dick embarca sem grandes reservas.
A proposta é a de participar numa experiência onde o transporte para uma época passada não é realizado através da habitual máquina do tempo, mas sim de uma droga que o faz recuar até ao séc. XIV: “Poderia o tempo ser multidimensional – ontem, hoje, amanhã, existindo simultaneamente numa repetição incessante?”
Como em todas as viagens, o questionamento e as dúvidas começam a minar o pensamento e os sentimentos de Dick: Onde prefere estar? A que mundo quer pertencer? Com novas relações estabelecidas, por quais optar? “Estar vinculado, mantendo-me livre; estar só na sua companhia; ter nascido na minha época mas viver, desapercebido, na deles”.
Contudo, como qualquer viagem provocada por uma droga, coexistem as dúvidas quanto aos seus efeitos secundários, à intersecção entre os dois mundos, ao posicionamento da própria pessoa na ambivalência em que se torna a sua vida. Como é que se mantém a dita “normalidade” quando o que se quer é escapar para o outro mundo? – que, neste caso, pode ser com o pretexto de regressar para saber o desfecho de múltiplas histórias pessoais em que se está implicado.
Claro que, como em todas as situações limite, surge de repente o terapeuta, o clínico que traz outra interpretação: “O mundo que transportamos dentro de nós oferece-nos por vezes respostas. Uma maneira de nos evadirmos. Uma fuga da realidade. O problema é que sonhar acordado, tal como os alucinogénios, torna-se viciante; quanto mais lhe cedemos, mais fundo mergulhamos”.
Nesta grande história de Daphne du Maurier, mais conhecida como autora de “Rebecca” (1938) – também publicada pela Editorial Presença -, ambos os mundos nos mantêm presos num expectante enredo, onde a parte difícil será mesmo escolher aquele onde queremos permanecer durante mais tempo.
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