Alexandra Lucas Coelho tem sido uma calejada jornalista de combate nas últimas três décadas, por vezes em geografias e latitudes com dentes afiados. As suas reportagens trazem retratos de lugares tão díspares como Israel e a Palestina, a praça Tahrir no Egipto, o Brasil ou o Afeganistão.
“Viva México” (Companhia das Letras, 2018 – reedição) é um dos cinco livros de não-ficção que publicou – resulta de uma série de reportagens escritas para o Público no verão de 2010, quando a autora se armou de coragem e zarpou de Lisboa para percorrer o México em três semanas.
“Não sei nada do México e tenho uma mochila”. A frase é o ponto de partida desta viagem. Comecemos então pelo princípio: aterramos no Centro, na Cidade do México, enorme urbe com mais de 8 milhões de habitantes, em si mesma um País. Uma cidade cheia de gente guapachosa: como traduzir? “Quente, saborosa, sensual, tropical”.
A partir do passado histórico, a autora revela a alma dúplice do México, preso entre os indígenas aztecas e os conquistadores espanhóis que, com Cortéz, trouxeram o “sonho de ouro dos espanhóis, sonho devorador, impiedoso, que atinge por vezes a extrema crueldade”.
Viajamos de seguida para Coyocán, terra de nascimento da pintora Frida Kahlo, onde viveu com o seu marido Diego Rivera. Visitamos a Casa-museu, debruçando-nos sobre os curiosos pormenores biográficos da icónica e extravagante figura. “Porque Frida Kahlo existiu”, diz a autora a dado ponto, “o México é mais forte, mais complexo, mais desarmante”.
A segunda parte transporta-nos para o Norte, até à temível Ciudad Juarez, em 2010 a cidade mais violenta do mundo – vítima de um altíssimo índice de criminalidade, com dúzias de execuções diárias e crimes sangrentos.
Sente-se o medo nas palavras, nesta espécie de inferno na terra onde as pessoas podiam encontrar a morte ao virar da esquina a cada dia, culpados ou inocentes, jovens ou idosos, à mercê de ajustes de contas e balas perdidas. É o capítulo mais impressionante e cru do livro. “O primeiro mundo está cheio de pessoas que têm aborrecimentos”, afirma. “E este mundo está cheio de pessoas que estão vivas não se sabe como, e ainda acham que têm de pagar”.
A autora visita também a morgue da cidade, onde os mortos fazem fila para entrar, e aí descobre uma improvável técnica de reidratação dos cadáveres, única no mundo. Depois viaja até à fronteira com os Estados Unidos, onde testemunha em primeira mão o sofrimento das massas migrantes.
Na terceira e última parte rumamos a Sul, passando por Oaxaca, Juchitán, Ixtepec e outras cidades de nomes coloridos. Alexandra Lucas Coelho tem um talento para descobrir personagens de romance na vida real: desde um casal singular que viveu uma epopeia nas selvas impiedosas – aqui entrevistado-, até um grupo de rappers feministas chamado Batallones Femeninos, passando por Pepe, o pequeno maia que a acompanha aos planaltos aztecas, e dezenas de outras personagens, umas cómicas, outras trágicas.
“Viva México” está escrito de tal forma que nos sentimos a viajar ao lado da autora, espantando-nos com o que a espanta, partilhando a sua comoção nas palavras precisas que usa, carregadas de poesia e virtuosismo. “No México, uma imagem são pelo menos duas, sobrepostas”, diz, mas arriscamos dizer que são dezenas as imagens fortes que povoam o livro, um retrato lúcido e encantado de um terroso País de extremos, tão fascinante quanto impiedoso.
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