João Carlos Alvim foi co-fundador da Assírio & Alvim, em 1972, e director editorial das Publicações Dom Quixote e da Bertrand. Também co-fundou a Bizâncio e foi consultor editorial para a Livros do Brasil, a Ulisseia e a Campo das Letras. Define-se, na nota autobiográfica final de “A Confraria dos Espectros” (A Esfera dos Livros, 2018), como “uma pessoa comum, sem nada que a distinga das outras, a não ser a circunstância de sentir-se em toda a parte um estranho e de ter, ao que parece, inúmeras curiosidades. (…) Mais desistente, contudo, do que resistente. Desiludido de muita coisa, associal até ao solipsismo, descobriu que os deuses, as raízes e a norma são uma perigosa mentira e que as únicas realidades confiáveis são a precariedade e a fantasia.”
“A Confraria dos Espectros” é um romance magistralmente bem pensado e bem escrito, sustentado numa sedimentada erudição pessoal e numa investigação de época (século XIX, sobretudo na altura em que em Portugal aconteciam as denominadas Guerra dos dois Irmãos, Guerra Civil Portuguesa ou Guerras Liberais), de carácter histórico, bibliográfico, linguístico, geográfico, documental, genealógico, heráldico, religioso, mitológico, filosófico, cultural e, sobretudo, político. Como o autor refere, ”tornou-se leitor compulsivo, de modo a viver cativo dentro de si, acompanhado pelas vozes que surdem das páginas dos livros”.
A história começa com Joseph Pinkerton, herdeiro do fundador de uma reputada agência de detectives que, já muito debilitado e doente, na Nova Iorque de 1910, decide confiar a um jornalista a história da Confraria dos Espectros e o horrível segredo de que é detentor – e que o havia assombrado e perseguido ao longo da fase final da sua vida. A narrativa regride, então, para o ano de 1833, para o seio da (também designada) Guerra Miguelista, em Lisboa, uma cidade onde se vive um clima turbulento e caótico de pré-revolução com a eminente perda da causa miguelista, num anoitecer em que, numa carruagem, seguem dois nobres, pai e filho – sendo que, este último, vai embarcar para França sem qualquer certeza sobre se voltará a ver a sua família e o seu país e, sobretudo, sem saber o papel que lhe será misteriosamente incumbido.
O livro desenvolve uma história dramática – muitas vezes crudelíssima – sobre a influência da Confraria dos Espectros no reordenamento político de uma Europa em mudança, onde perpassam as intrigas, as violências e os desregramentos que então se produziram após a Revolução Francesa, seja nos salões nobres das grandes figuras, nas alcovas (que encerram, por vezes, actos descontrolados e inconfessáveis), na diplomacia, nas ruas que evidenciam uma extrema pobreza, nos tugúrios lúgubres, imundos e decrépitos, tão propícios ao crime.
A Confraria dos Espectros é uma grande e densa narrativa de acção, de fidedigna revelação histórica, a par de um sem número de pequenas histórias quase românticas sobre a incontida ascensão de uma Europa liberal. A acção desenrola-se numa escrita encadeada, que tanto nos transporta ao passado como ao presente (sendo o passado 1833 e o presente 1911), como nos leva a diferentes países (Portugal, Alemanha, França e Estados Unidos), num fervilhar de personagens de época extremamente bem retratadas e construídas, fruto de uma absoluta precisão histórica.
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