“A cada noventa anos, doze deuses aceitam reencarnar em forma humana. São carismáticos. São amados. São odiados. E morrem passados dois anos. E está tudo a acontecer agora. A acontecer de novo.”
Ao ler a curta sinopse que se encontra na contracapa de “The Wicked + The Divine 2: Fandemónio” (G. Floy, 2018), será difícil não pensar na ideia de imortalidade, tão bem cantada pelos Alphaville nos longínquos anos 80. Ou, colocado de forma mais filosófica, será preferível uma existência humana de várias décadas, provavelmente sem grandes sobressaltos, ou viver apenas dois anos mas na pele de um deus, sentindo na corrente sanguínea todas as rebentações do mundo?
Bem-vindos ao estranho mundo criado por Kieron Gillen e desenhado por Jamie McKelvie, um lugar onde as estrelas pop são deuses com a existência contada ao minuto e onde as T-Shirts em voga gritam palavras de ordem como “Lucifer morreu pelos teus pecados”.
Neste segundo volume, Laura Wilson, com 17 anos e três quartos, resume de entrada o último e alucinado mês da sua vida, onde apenas diz ter ganho “calos e um desespero milagroso”. São os tempos do Ragnarock, qualquer coisa como o Fanteão de Londres, por onde passam mais de 100000 mil fãs e para o qual se podem adquirir bilhetes VIP, passes “Sacerdotisa” e bênçãos pessoais. David Blake, o organizador do evento, fala numa “geração fundamentalmente mimada e preguiçosa”, dizendo não ter a certeza de haver “qualquer hipótese deste ser um panteão da qualidade do dos anos 1920 ou dos 1640”.
Inanna, alguém com estranhos padrões sobre a ideia de descrição e com capacidades divinatórias, mandou há muito a ideia de confiança no Panteão às urtigas, defendendo que os atiradores que estiveram em alta no volume 1 não eram cristãos ou fanáticos mas sim fãs desiludidos.
Por este volume passam também Baphoret, um amante da palidez, Morrigan, a deusa tripla da guerra e da morte, e uma rave organizada por Dioniso, conhecida como a noite dos deuses vivos, com “120 batidas de coração por minuto”. A discussão, essa, anda à volta do lance de Prometeu ser ou não uma imensa treta, deixando no ar mais uma questão: mas e se um deus puder ganhar anos de vida matando outro deus, estendendo assim o seu prazo de validade? Estilo o “there can be only one” do Highlander.
Uma série habitada por uma estranheza sedutora, que vai lentamente conquistando o leitor por uma aura imortal e um festim visual que poderia ter saído da cabeça de Andy Warhol. Ou, como diz a sabedoria popular, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
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