“Obras Completas de Maria Judite de Carvalho 1: Tanta Gente, Mariana/ As Palavras Poupadas”

Foi, no que toca às edições nacionais de 2018, um dos grandes acontecimentos: o início da publicação das Obras Completas de Maria Judite de Carvalho (1921-1998) que, neste primeiro volume intitulado “Tanta Gente, Mariana/ As Palavras Poupadas” (Minotauro, 2018), reúne as duas primeiras colectâneas de contos da autora.

Tanta Gente, Mariana é, desde logo, uma imensa ironia, um título com lugar para a imensidão de corpos que, vai-se a ver, não é nada mais do que a solidão – a solidão feminina, contida a satisfazer os caprichos masculinos com a bênção da moral salazarista.

A dor da personagem é imensa, uma dor que, nas palavras de Maria Judite de Carvalho, se lê como um desafio, um convite à insurreição, a entrada numa introspecção feminina que faça morrer a subserviência e a silencie em nome de uma individualidade que grite de boca bem aberta.

“Sinto-me só, mais do que nunca, ainda que sempre o tivesse estado. Sempre“. Este é o conto devastador de uma mulher que está “cansada de viver e incapaz de procurar a morte“, que recorda o filho morto antes de nascer e o estado de loucura a que foi conduzida pela sociedade por nunca ter sabido estar como mandava a etiqueta, oferecendo um exemplar retrato da condição feminina da época: “O que a vida já correu e elas sem a verem. Sem darem por nada. Ficaram sozinhas e não se dão conta“.

Pelos outros contos passam temas transversais à literatura de Maria Judite de Carvalho: a instalação do comodismo, a velhice sem remissão, a falsa moral, o desejo de vingança, a culpa que corrói.

Quanto a As Palavras Poupadas, talvez o conto maior desta edição, coloca em evidência o não dito, a dor das entrelinhas, com palavras que não se pronunciam mas ficam a ecoar na mente do leitor. Tal como frases com este sumo: “Será possível que as imagens continuem intactas e que ela tenha levado vinte anos a jogar xadrez consigo própria, a mudar as pedras de lugar, a comê-las e logo a vomitá-las, esquecida da vida?“. Os volumes 2 e 3, aos quais esperamos viajar nas próximas semanas, estão já disponíveis nas livrarias.