“Querida Ijeawele” (D. Quixote, 2018) é um ensaio composto por quinze sugestões, que procuram responder à seguinte interrogação: como educar para o feminismo? Uma questão que, imediatamente, nos coloca uma outra: educar para que feminismo?
Chimamanda Ngozi Adichie, autora deste breve manifesto, é uma referência no panorama das novas gerações de literatura africana. A readaptação do seu ensaio We Should All Be Feminists, numa TEDx talk de 2012, expôs a sua realidade enquanto mulher nigeriana, familiarizada com uma sociedade pautada por constructos normativos assentes nos papéis atribuídos a cada género. A pertinência e a emoção do seu discurso conferiram-lhe notoriedade internacional e, também por isso, lhe são dirigidas muitas questões sobre o tema.
Neste livro estamos perante uma carta (com alguns pormenores alterados) que a autora dirigiu a Ijeawele. Uma amiga de infância que, à semelhança de muitas mulheres, se questiona sobre a educação da sua futura filha. Como educar para o feminismo?
Numa linguagem acessível e bastante simplificada, com recurso a exemplos práticos e a memórias pessoais e partilhadas, a autora estabelece os pilares fundamentais de uma educação familiar direcionada para tentar criar um mundo mais justo para mulheres e homens, rejeitando por isso a linguagem da permissão e do condicionamento da mulher. No fundo, memórias resistentes de uma tradição estagnada, conhecida como Linha Zero, que observa a mulher enquanto extensão das possibilidades de um homem (ele é a cabeça e tu [mulher] o pescoço).
As temáticas de cada sugestão reflectem assuntos como a expectativa do casamento, a realização das mulheres pelo seu papel de mãe ou esposa, a sexualidade, o amor romântico, a reflexão sobre a nossa aparência, as nossas origens e os hábitos binários incutidos, desde cedo, às crianças.
Educar para o feminismo é, também, educar para a leitura, para o questionamento, para a argumentação e para a capacidade de nos colocarmos no papel do outro. Educar para o feminismo é, por isso, educar para gerar empatia entre seres humanos. Como a escritora refere, a biologia é frequentemente utilizada para explicar diferenças factuais e físicas entre homens e mulheres. Contudo, é também utilizada para explicar a promiscuidade masculina mas não tão frequentemente a feminina. A biologia é uma matéria interessante e fascinante, mas nunca (…) justificação para qualquer normal social.
Provavelmente, a mensagem transversal a todo o livro encontra-se na oitava sugestão. Neste espaço, é apenas sugerida a possibilidade de sermos a pessoa plena que desejamos ser, em vez de cumprirmos o resultado catastrófico do desejo de agradar. Sempre que não nos cumprimos no mundo legitimamos o modo silencioso como a sociedade modela o nosso comportamento. No entanto, após este guia ao pensamento de Adichie, é dada a oportunidade dos próprios Homens modelarem a sociedade em que acreditam.
Embora nem sempre imediata, a forma mais forte de progredirmos para essa sociedade igualitária residirá precisamente na possibilidade universal de nos questionarmos e de reflectirmos, através de novas leituras, novas traduções e novas edições feministas.
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