“Histórias para meninas distraídas” (Abysmo, 2018) é um livro com varandas. Varandas poéticas que respiram, sobretudo, o psicológico e o fluxo de consciência, da autora Liliana S. Ribeiro.
Possivelmente — pois a poesia estende-se à subjectividade do mundo — não poderíamos compreender intimamente o livro sem nos debruçarmos nas varandas desta casa literária. Aqui há espaço para a lembrança, para o tributo poético, para um olhar ao estilo de figuras como Ebbighaus, Abraham Maslow, Clarice Lispector, Frank Parsons e Jeanne Hébuterne. Este imaginário, composto por pensadores, escritores e artistas, compõe o habitat natural do pensamento da autora e potencia o sentido global da obra, pois promove a compreensão das escolhas temáticas e da organização do livro.
Esta caminhada poética está dividida em três secções distintas — Teoria Geral dos Sistemas, Sabedoria Popular e, o título da obra, Histórias para meninas distraídas. Num primeiro momento deparamo-nos com formulações conceptuais, teorizações e, ainda, com o reconceituar de fenómenos numa abordagem global, permitindo a inter-relação e integração de assuntos que, por vezes, podem ter diferentes naturezas. No fundo, estamos perante uma poesia das ciências sociais, capaz de se aproximar dos campos não físicos do conhecimento científico, ao mesmo tempo que busca uma realidade empírica, embora nem sempre viável.
É precisamente a insuficiência da via conceptual e teórica que nos conduz ao sentido mais mundano e prático do conhecimento — a Sabedoria Popular. Nesta secção, a crescente fuga ao convencional e o aparente aleatório temático (ora mais íntimo, ora na posição de observadora passiva) conduzem-nos a uma sensação de estranhamento (ostranenie). Este efeito, que podemos reconhecer em obras de arte literárias (e não só), permite ao leitor estranhar ou distanciar-se da forma linear e comum com que apreendemos a realidade envolvente, entrando numa nova dimensão que só pode ser compreendida se atentarmos, também, na dimensão artística da obra.
Neste livro a poesia desvia-se do previsível, revela-nos imagens e conceitos que, no momento da leitura, podem ser recriados pela nossa imaginação e situação de vida. Os próprios conteúdos textuais quotidianos, ao apresentarem uma reorganização diferenciada, mais densa e complexa, tornam a leitura um momento único e produtivo para a nossa apreensão do mundo.
Curiosamente, a última secção e o último poema da obra representam o título do próprio livro e, talvez por esse simbolismo acrescido, o capítulo reflecte a presença do enigmático. Talvez, neste momento final, se remonte o leitor para um tempo passado em que não existiam teorias – apenas a espontaneidade da infância, repleta da inocência e da ingenuidade que se perde com o crescimento pragmático dos dias. Talvez as meninas distraídas sejam as que, de repente, carregam um vazio ao peito, uma identidade que se constrói e destrói. Contudo, apesar de deambulações interpretativas, continua presente a ideia de estarmos perante um livro que se renova a cada leitura e em cada leitor.
“Histórias para meninas distraídas” integra a coleção MÃO DITA, da editora Abysmo, e promove o (re)surgimento de vozes literárias estimulantes no panorama das edições nacionais.
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