Levou para casa o prémio Hugo para Melhor Romance Gráfico em 2015 e, no ano seguinte, teve de arranjar espaço na estante para o prémio Angoulême para Melhor Série. Nestes tempos onde “inclusão”, “género” e “igualdade” são bandeiras desfraldadas com e sem vento, “Ms. Marvel: Fora do Normal” (G. Floy, 2018) é um livro que poderia ser vendido como um manifesto aos quadradinhos, ao mesmo tempo que leva a cabo a missão auto-proposta pela Marvel de renovar o seu leque de super-heróis e temáticas.
Kamala Khan é uma jovem adolescente muçulmana residente em Nova Jérsia, América. Diariamente tem de enfrentar todas as restrições associadas à sua religião, implicando que, por exemplo, goste de cheirar a carne cozinhada mesmo sabendo que não a poderá comer, atirando às urtigas a máxima que uma amiga lhe tenta vender: “Fica o dente ou não finques, não existe cheirar”.
Kamala vive obcecada com os Vingadores, e até escreve fan fiction sobre eles na Internet, uma forma de contrariar o facto de não poder beber uma cervejinha, sair com rapazes ou ir a festas, mesmo prometendo beber apenas sumo de laranja. Mas não se espere que a adolescente não dá luta, ou que não põe em causa este estado totalitário em que vive: “Porque é que sou a única que tem dispensa da aula de saúde? Porque é que tenho de levar pakoras para o almoço da escola? Porque tenho de celebrar os feriados esquisitos? Todos os outros podem ser normais. Eu não posso?”.
No dia em que se rebela, porém, tem o azar de estar uma noite Carpenteriana, onde um nevoeiro cerca parte da cidade parecendo trazer consigo o delírio de um ácido fora do prazo. É aí que Kamala deixa escapar um desejo, como se tivesse visto no céu uma estrela cadente e se pudesse, também ela, tornar-se uma heroína: “…usaria um fato clássico e politicamente incorrecto e enfrentaria o mal com uns saltos altos gigantes”. A verdade é que, 12 horas após o deflagrar de uma bomba de terrigéneo, Kamala acorda como uma miúda super-estilosa, com um fato catita, o cabelo louro e poderes para dar e vender.
Posta de castigo e sendo-lhe imposto o regime casa-escola-casa, sem sequer lhe ser permitido um desvio ao centro comercial, Kamala terá de conciliar o chamamento e a vontade de heroísmo com a tradição e valores familiares, isto enquanto tenta arranjar um outro lema para um azulejo que não este que lhe atravessa o pensamento: “Ser diferente não é um alívio. É esgotante”.
Apontado a uma faixa etária mais jovem, “Ms. Marvel” tem contudo um ritmo frenético e um sentido de humor capazes de converter também os leitores adultos, que têm aqui um bom exemplo de como a Marvel poderá manter viva a chama dos super-heróis.
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