Em 2008, sobre a edição de “O Crocodilo que voa” (Tinta da China, 2015 – reedição em formato de bolso), Luiz Pacheco disse qualquer coisa como isto ao jornal Sol: «Este livro é uma merda! Isso é uma aldrabice. É bom para andar por essas pequenas editoras.»
Se para aqueles que então desconheciam a obra – e sobretudo o feitio – do escritor nascido a 7 de Maio de 1925 tal sentença poderia parecer uma auto-ofensa, para os outros a surpresa era já quase nula, ainda que o despertar do humor se renovasse a cada vez que Luiz Pacheco lançava uma frase incendiária. Afinal, fala-se aqui de alguém que em Portugal ficou conhecido como um – ou “o” – “escritor maldito”, um excêntrico, acabando por ficar de certa forma refém desse mesmo retrato, não sendo por isso e muitas vezes levado a sério.
João Pedro George, organizador e responsável pela introdução a este conjunto de entrevistas, levanta o véu de excentricidade usado por Pacheco e alimentado, em lume-brando e ao longo dos anos, pela crítica: «O extravagante não questiona o sistema, simplesmente simula-o com a sua desobediência em relação a regras secundárias.» Uma faca de dois gumes, portanto.
Luiz Pacheco foi argumentista, actor e encenador da sua própria vida, que ele próprio tratou de transformar num palco de excentricidades, adoptando um estilo de vida com diversas incidências sociais (alcoolismo, dependência de drogas, boémia desenfreada) que acabaram atrás das grades, no exílio, na censura ou na proibição de escrever.
O conjunto de entrevistas abre com a mítica conversa concedida à revista K, em 1992, representada pelos ilustres Carlos Quevedo e Rui Zink que, logo na introdução, abriam a porta à imortalidade do que se iria ler de seguida: «Fomos entrevistar o maior escritor vivo. O maior escritor, o mais português, o mais vivo: Luiz Pacheco.» Que, então, andava já pelas 67 primaveras.
Nesta viagem entre 1992 e 2008, o leitor ficará com um retrato muito fiel de um homem sem travão, de um escritor furioso com uma centelha de génio que disse, a certa altura – e entre muitas coisas -, que o Namora era abaixo de cão, o Saramago deveria ter ficado pelo “Memorial do Convento”, a (Inês) Pedrosa era uma estúpida, a Natália Correia era uma devassa e que Cesariny, um dos seus amigos mais próximos, era um poeta dos urinóis.
Percorre-se uma vida quase sempre marginal, atravessada por escândalos sexuais com menores, repleta de polémicas com escribas dos dois sexos que, no final, acabou por resultar em obras tão importantes como O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica e o seu Esplendor (1970), O Teodolito (1985) ou O Uivo do Coiote (1996).
Em 2005, quando lhe perguntaram se pensava na morte, Luiz Pacheco respondeu: «Penso, mas não quero que ela me apanhe a dormir. Quero vê-la chegar.» Provavelmente foi isso que terá acontecido três anos mais tarde e Luiz Pacheco, como forma de se apresentar à figura que transporta consigo a foice, ter-lhe-á certamente entregue a mesma mensagem que deixou às novas gerações – em entrevista a João Paulo Cotrim para a revista Ler: puta que os pariu! Um verdadeiro senhor.
2 Commentários
a falta que faz o luiz … puta que pariu a morte. e os travões dos homens.
um pequeno reparo no nome do autor: joão pedro george, e não jorge pedro george.
Uma grande falta mesmo 🙂 Obrigado pelo reparo Cris 😉