Em “Laços” (Alfaguara, 2018), de Domenico Starnone, entramos na vida de Aldo e Vanda e questionamo-nos sobre o casamento e o amor. Tratar-se-á de um jogo? E, se sim, será perigoso ou sublime? Que laços nos unem e nos separam, e quão fortes serão os fios de um casamento?
“Laços” narra-nos, de forma concisa, a rotina, as preocupações e os dilemas de uma família, da fragilidade de doze anos de vida comum, de um amor que se pensava ser eterno. A narrativa constrói-se a três vozes, interligadas, mas que poderiam ser lidas separadamente. Quanto ao leitor, será o ouvinte privilegiado de cada uma destas vozes.
No preâmbulo conhecemos os sentimentos de Vanda, mulher abandonada e traída, atormentada pela ausência do marido: “Onde estás? A morada que deixaste é de Roma, o número de telefone também, mas escrevo-te e não respondes, telefono e toca sem parar. O que tenho de fazer para te encontrar? Telefonar a um amigo teu, aparecer na universidade? Tenho de me pôr aos gritos diante dos teus colegas e dos alunos, tenho de revelar a toda a gente que és um irresponsável? Tenho a luz e o gás por pagar. Tenho a renda. E os dois miúdos. Volta depressa”. Desespero ou a crença no amor e na sedução permanente? Ou será, antes, a dificuldade de assumir que o amor chegou ao fim, e que é agora necessário apanhar os estilhaços?
O livro não se concentra, porém, apenas na mulher abandonada. Na segunda parte, a mais longa, ficamos a conhecer Aldo e os seus pensamentos íntimos sobre a separação, a traição, os filhos e o casamento: ”Estar casado, ter família própria numa idade novíssima, tornara-se um sinal não de autonomia, mas de atraso. Com menos de trinta anos, sentia-me velho, e parte – à minha revelia – de um mundo, de um estilo que, no ambiente político e cultural a que aderia, era considerado iminentemente acabado. Pelo que, embora tivesse uma relação forte com a minha mulher e as duas crianças, depressa me deixei fascinar por modos de vida que programaticamente suprimiam todos os vínculos tradicionais”.
Na parte final ouvimos as palavras de Anna, a filha do casal. Pensa na família, na mãe, no pai e no irmão, em como os infortúnios e os rancores dos pais, os momentos partilhados com o irmão, foram determinantes para que a sua vida seja como é. Afinal, “o que é que podemos fazer, não se pode escapar aos cromossomas, não é culpa minha nem é culpa tua, tudo se herda, até o modo de coçar a cabeça”.
A casa. Presente ao longo do romance, permite-nos entrar na intimidade e identidade de cada personagem, conhecer a relação que cada um deles tem com ela: com uma divisão em particular ou, simplesmente, com um objecto – cada um esconde uma história que é também a nossa. Aldo, por exemplo, revê o passado em cada objecto acumulado ao longo dos anos: “O pesado cubo de metal que comprara em Praga décadas antes ainda estava no seu lugar, em cima da estante do meu escritório. Tratava-se do mesmo objecto que tanto impressionara a rapariga do solenóide, um objecto lacado de azul, vinte centímetros de base, vinte de altura. Nunca tinha sido do agrado da Vanda, já eu tinha-lhe apego”.
Relacionamentos, separações e reconciliações, família e amor são os temas centrais neste romance, mas não só. Fala-nos, também, da liberdade individual, de se ser capaz de “viver à vontade e sem subterfúgios”. Afinal, quão livre o amor nos permite ser, “qual a força dos laços que formam entre nós e os outros?”.
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“Laços” é o décimo-terceiro romance de Domenico Starnone e o primeiro publicado em Portugal. Distinguido como melhor livro do ano por vários jornais internacionais como The New York Times, Kirkus Reviews, TheSunday Times, venceu o Prémio Bridge de melhor romance. Domenico Starnone nasceu em Saviano, perto de Nápoles, em 1943. Trabalhou para vários jornais e revistas e para suplementos culturais como, por exemplo, L’Unità, Il Manifesto, Tango e Cuore. Diz encontrar inspiração em episódios de sua vida como professor.
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