Foi, na edição do Fusos deste ano, um dos momentos mais divertidos e motivadores: Luís Correia Carmelo, especialista em narração oral enquanto arte performativa, a contar histórias e adivinhas a miúdos e graúdos, acompanhado pela sua pequena concertina.
Uma arte de bem contar que, desde 2003, Carmelo tem levado a bibliotecas, escolas, associações, teatros e festivais, em Portugal e fora de portas, e que agora chega também às livrarias nacionais com o título “Matilde” (bruáa, 2018), uma história muito divertida sobre amor, enganos e vaidade.
O Sr. Narciso é um gato bem-apessoado e que gosta de cuidar da aparência, vendo em cada espelho um amigo. É assim que irá nascer o seu fascínio pela Boutique Esmeralda: mas não pelo seu esmerado recheio, antes pelo enorme vidro que lhe devolvia o seu reflexo, desde “os sapatos bem engraxados ao chapéu impecável, passando pelo fato engomado religiosamente e, claro, a bengala com cabo de marfim“.
No segundo dia de devoção ao espelho, e muito enganada quanto ao objecto da afeição alheia, Matilde, a recém-empregada da Boutique, derrete-se toda com o sorriso do gato e a forma requintada como este diz adeus. Ou interrogando-se, e isso é a parte mais difícil de compreender, “porque é que o homem se penteava enquanto olhava para ela“. Até que, dias mais tarde e numa folga em que aproveita para se entregar a uma missão de espionagem, desponta nela o ciúme, quando vê Narciso mandar beijinhos à sua amiga que tomava conta da loja.
“Matilde” fala de um (des)amor vivido em realidades paralelas, mostrando-nos, ainda que por caminhos travessos, uma grande verdade: “Há romances que estão condenados a durar pouco tempo“. E que, nesta coisa das paixões e relações, o que não falta são mal-entendidos, ilusões e ideias feitas.
As ilustrações de Mariachiara di Giorgio são uma delícia, desde os grandes planos da gataria à forma como apresenta o interior da Boutique ou imprime movimento à vida de um bairro, seja na quietude da noite ou na azáfama matutina.
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