Mais do que uma homenagem à sua mãe, Angelika Schrobsdorff faz em “Tu Não És Como as Outras Mães” (Alfaguara, 2018) um tributo à Mãe, aquela que é mulher, noiva, esposa, filha, trabalhadora. Aquela que se apaixona, que sofre de amores, que segue os seus sonhos. Aquela que tem dúvidas, que hesita e que não sabe como agir. Aquela que erra e segue em frente. Aquela que sorri e faz sorrir. Aquela que faz as crianças crescer.
Esta é uma história de vida narrada por uma das filhas de Else, a mãe que acompanhamos antes de o ser e até que parte. Porque uma mãe não é apenas isso. É a vida a acontecer: a mulher que nasce, que cresce em família, que escolhe o seu noivo e que aceita a maternidade.
Desde os loucos anos ’20 até aos anos que precedem a Segunda Guerra Mundial, “Tu Não És Como as Outras Mães” conta a vida da mãe da autora. Else, uma mulher que parece viver antes do seu tempo, é uma alma livre. Desde viver com o marido e o amante na mesma casa no início do século XX, altura em que nem sequer tinha direito ao voto, até gerar três filhos – cada um de seu pai –, são muitos os dramas pessoais que Else ultrapassa e que, numa perspectiva sociológica, poderiam perfeitamente ser alvo de um estudo sobre o sufragismo ou sobre de algo que roça este movimento perfeitamente palpável ao longo do último século.
Angelika nem sempre compreende a mãe, como não se compreende a si própria nem ao mundo que a rodeia. Deixa muitas vezes algumas questões em branco, precisamente por ser incapaz de justificar algumas decisões tomadas pela mãe, essa mulher inconformada e determinada que nunca deixou que ninguém lhe ditasse o que quer que fosse ao longo da sua vida. Este inconformismo e determinação são apenas abalados na entrada na Segunda Guerra Mundial, embora a negação fosse o principal escudo de Else para tentar manter viva a chama da sua vida feliz, enérgica e intocável. Tomando-se como uma personagem, a Segunda Guerra empurrou Else para fora do seu campo de conforto e de felicidade. A vida deformou-a física e emocionalmente. A vida aconteceu e a de Else oscilou entre a felicidade extrema e a quebra da sua alma.
O que é francamente de salientar neste livro é a capacidade de humanização por parte da autora, a filha. Quando nem sempre o mundo era compreendido, sobretudo quando Angelika era pequena, a reflexão e o seu amadurecimento permitiram que a filha compreendesse a mãe e que, então, se compreendesse a si própria. A mãe é vista como muito mais que isso: é um ser autónomo e com agência que vive a sua vida da forma que considera adequada para si e que, ainda com algum desacordo com os filhos em certas alturas das suas vidas, é aquela que está sempre lá. E, ainda que deixe de lá estar um dia, foi a sua existência que permitiu que Angelika a homenageasse – para que a mãe esteja sempre presente.
1 Commentário
[…] Desde os loucos anos ’20 até… [leia o post completo no Deus me Livro]. […]
Espreitem também em: https://folhasdepapel.wordpress.com/2018/07/25/tu-nao-es-como-as-outras-maes-2018-angelika-schrobsdorff/