“Um autor que consegue falar de alienação, solidão ou amor de uma forma envolvente”. É desta forma que Marcin Andrys, editor-chefe de um site de cultura pop polaca, se refere a Jeff Lemire no prefácio de “Estrelas de Lata” (G. Floy, 2018), o primeiro volume da série Descender, referindo ainda que “a vida das personagens dos seus livros é marcada por uma série de experiências emotivas e profundas, e de traumas dolorosos”.
Tendo como inspirações mais ou menos óbvias Astro Boy ou o Kubrickiano “2001: A Space Odyssey”, Descender conta com as ilustrações de Dustin Nguyen, conhecido por títulos como Detective Comics, Batman: Streets of Gotham ou Batman Li`l Gotham, que mereciam bem ser penduradas em lugar de destaque no Louvre dos comics, isto se tal monumento existisse. Nguyen que aqui, para além de desenhar, trata ainda das artes-finais e das cores, num resultado surpreendente que vive muito do efeito aguarela, bem como da forma como consegue captar em imagens a essência da escrita de Lemire. Tudo somado, temos de certa forma um paralelo com a série “Saga”, nem que seja pelo ar espacial, o grande argumento e o desenho refinado.
Em tempos, o Planeta Niyrata, com uma população de 5.53 biliões, era o centro tecnológico e cultural do grupo de nove planetas centrais conhecido como o Conselho Galáctico Unido (CGU). Um dia, um robot gigante surge em órbita sobre cada um dos mundos-chave, o que resulta num extermínio de proporções épicas.
10 anos depois somos transportados para a Lua de Dirishu-6, mais concretamente para a sede da colónia mineira de Dirishu, com uma população actual de 1 habitante: Tim-21, que passou os últimos dez anos a dormir, ao qual se juntará mais tarde Bandit, quem sabe um parente afastado de R2D2, que apresenta os circuitos linguísticos todos trocados e aumenta em 100 por cento a população da Lua.
Depois de acederem aos registos da última década, percebe que uma década atrás os colonos atingiram uma bolha de gás no fundo de uma das minas, acabando por os matar, pensa-se, a todos. Isto porque faltam dois vaivéns, algo que leva Tim-21 a pensar que talvez Andy e a mãe deste tenham conseguido escapar.
De volta ao Planeta Nyrata e ao tempo presente para uma lição de história: os robots que há dez anos destruíram praticamente tudo ficaram conhecidos como os colectores. O seu foco foram as cidades do CGU e as infraestruturas planetárias, tendo a maioria dos ajudantes mecânicos sido poupada. Na altura, temendo que os restantes robots pudessem de alguma forma estar ligados aos Colectores, gerou-se por toda a galáxia um fanatismo anti-robot, , resultando num abate generalizado ou, como lhe chamou o representante de uma das embaixadas, um genocídio robot. Mais estranho ainda foi o facto de os nove Clectores terem depois desaparecido simultaneamente.
Actualmente, o Planeta Niyrata tem uma população de 1 bilião de habitantes, entre os quais está o Dr. Quon, caído em desgraça desde que, dez anos antes, apresentou a Teoria do Codex, que defendia que cada um dos Colectores possuía um códex-base de máquina, como um ADN. Quon afundou-se então numa bruma de auto-comiseração, até que Telsa lhe diz que o códex foi desvendado, e que a correspondência se terá dado com um modelo de robot existente: a série de androides Tim, que Quon criou 15 anos antes, robots que serviam de companhia a crianças – já adivinharam, Tim-21 era um deles.
Enquanto Tim-21 vai fazendo um reboot e acedendo ao arquivo histórico da última década, sendo bombardeado com flashes a preto e branco, Bandit serve-lhe uma conclusão sobre a caça humana à máquina: “Porque nos temem, Tim-21. Porque tinham sido feridos e quiseram ferir outros em represália. Porque são humanos”.
Tim-21 torna-se assim no robot mais procurado de todo o universo, perseguido por governos, caçadores de prémios e sucateiros, mas ajudado por gente de lata como o Broca, que não se cansa de repetir que “O Broca é uma grande moca”. O final, de arrepiar os pelos dos braços, das pernas e da barba – para quem a tenha -, comprova que estamos perante uma das melhores séries comics da actualidade, que lutará taco a taco com Saga pelo domínio espacial. Sorte a nossa.
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