“No Jardim do Ogre”, de Leila Slimani (Alfaguara, 2018), é um romance intenso, que prende. A narrativa é libidinosa e curiosamente enleada em pormenores introspectivos, ondulante e, ainda assim, generosamente rica e elegante. O erotismo reveste tudo mas mascara a banalidade e a aparente facilidade dos acontecimentos, resultando num um equilíbrio muito interessante entre o intuir do leitor e o registo biográfico e psicológico da personagem principal.
Adèle é uma mulher intimidante, devoradora, viciada na provação, no prazer de sentir-se enfraquecer e soçobrar para depois vencer, de deixar de ter vontade e estar acima disso. Vive num mundo só seu, dominado por obsessões que a devoram, excitando-se pela demanda e traição do corpo relativamente à vontade. Trava sucessivas batalhas consigo mesma, oscilante entre o êxtase e a repugnância que se segue ao desejo refractário.
Com Richard montou uma vida mascarada pela banalidade e facilidade. Casou e teve um filho para se encaixar no mundo e proteger-se de diferenças relativamente aos outros. Tornou-se esposa e mãe. Adquiriu uma aura de respeitabilidade. O casamento revelou-se um abrigo para as noites de angústia e um esconderijo para os dias de desenfreamento.
Jovem, bonita, amada e socialmente respeitada, vive ainda assim sem prazer, numa solidão extrema. Opta por viver uma vida dupla, escrava das pulsões do corpo e das angústias da mentira. Até ao final fica a dúvida quanto ao seu hedonismo, revelando dificuldade em retirar glória das suas conquistas: “Não mantém um livro de registo, não retém os nomes e, muito menos, as situações. Como poderia ela lembrar-se de tantas peles, de tantos cheiros? Como poderia guardar na memória o peso de cada corpo sobre o seu, a largura das ancas, o tamanho do sexo?”.
Escrito em 2014, “No Jardim do Ogre” foi o primeiro romance da premiada autora franco-marroquina, já considerada a Madame Bovary do século XXI. Valem-lhe ingredientes como a exposição crítica de uma classe social dominante e cómoda, o deleite da infracção, a procura da sombra, a personagem anti-heroína e a fantasia como antídoto para o tédio e o vazio do amor. Afinal, “o amor é simplesmente paciência. Uma paciência devota. Furiosa, tirânica”.
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