Letizia Pezzali é uma escritora italiana, nascida em Pavia. “Lealdade” (D. Quixote, 2018) é a sua obra de estreia em Portugal, escrita num estilo muito inovador, lembrando Milan Kundera, num registo de contenção propositadamente elegante e feminino, de onde brota uma dimensão emocional que nos diz respeito a todos, seres humanos relacionais.
A personagem principal, Giulia, é uma mulher jovem que trabalha em Londres, na área financeira de num banco de investimentos, condicionado pelos imprevisíveis e caóticos mercados mundiais de “números volúveis”, capazes de distorcer a própria realidade. Modelos económicos que são mecanismos de conveniência, montados sobre a natureza das coisas para, gradualmente, as modificar. A observância estrita de regras e compromissos instituídos constitui o quotidiano profissional da personagem, que encara esta subjugação sem aparente mal -estar, num contexto vivencial de muito dinheiro em contraposição a muito pouco tempo disponível para relações afectivas, apenas destinadas à manutenção dos privilégios de reputação dos intervenientes.
Um mundo de grande actualidade e contemporaneidade no qual as possíveis consequências do Brexit no centro financeiro de Londres têm contornos imprevistos, suscitando grandes inquietações e tensões quanto ao futuro. Este livro trata o investimento financeiro e o investimento relacional de forma paralela, com a mesma impressão buliçosa, imprevisível e imparável. É neste enquadramento profissional, no próprio dia em que são divulgados os resultados do referendo no Reino Unido, que o nome de Michele, seu antigo namorado enquanto estudante universitária em Milão – namorado casado e vinte anos mais velho -, vem desencadear a vívida recordação de uma fortíssima obsessão amorosa, erótica e pessoal, sentida por alguém que desempenhava, à altura, as mesmas funções que agora exerce Giulia.
Escrito na primeira pessoa, a personagem principal que (se) narra na primeira pessoa, retorna, apenas por ter ouvido pronunciar o nome, a um passado que considerava enterrado, visitando-o agora, numa fase distinta da sua vida, com uma intensidade impulsiva, interpelando-se emocionalmente por tudo o acontecido e interpelando-se a si própria no passado, num diálogo consigo mesma que torna o regresso ao passado muito eloquente. Tão eloquente que pode fazer acontecer um futuro.
“Os seres humanos gostam de pensar que as suas decisões, corretas ou não, reflectem uma coerência interna. Uma personalidade, uma pessoa. Um significado. Não há nada que o ser humano mais deteste do que a ausência de significado. E contudo sucede frequentemente estarmos vazios, e a dificuldade de resistir acumula-se, a tensão de vez em quando deixa espaço ao choro e ao gelo. Nesse caso apaixonarmo-nos pode ser útil”.
Uma séria reflexão sobre a volúpia feroz da vida profissional cheia de turbulências, os disfarces pessoais, a instantaneidade das relações amorosas e do sexo, a mundividência das redes sociais, a solidão procurada ou provocada, as recordações dos que já não estão – tudo isto feito através de uma incisiva observação, no feminino, sobre a própria vida.
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