Aceitemos que, qualquer situação, tem pelo menos duas perspectivas ou prismas de interpretação e orientação, como se de compassos binários se tratasse; onde nenhum deles se garante por si mesmo, refém do impulso que se adivinha mas não se controla, qual movimento de dança.
Jorge confessa à irmã Matilde que queria apenas mostrar-lhe a voz do cantor que ouvira no espectáculo de teatro e pelo qual se encantou. Queria fazer uma surpresa à irmã e dá-lo a conhecer, mas já só havia uma entrada. Foi ele. No final dirigiu-se ao camarim e pediu-lhe emprestada a voz. Não só o artista não lhe parecia disposto a emprestá-la como começou a gritar, colocando-a em risco de a estragar. Não lhe restou alternativa a não ser roubá-la.
Catarina riu das preocupações da empregada cabo-verdiana, que lhe perguntava se o marido moribundo da senhora tinha feito seguro de vida. Confiante, Catarina pedira uma licença sem vencimento para cuidar de Luís que, nos últimos tempos, sucumbira a um estar mais difícil e mordaz. Já depois do funeral, a cabo-verdiana regressa a casa e, feliz, partilha com Catarina que a comadre falecera naquele mesmo fim-de-semana, tendo o marido recebido uns milhares de euros do seguro.
Inácio era um homem alto e proporcionado, atraente e de boas maneiras. Chamava a atenção. Casou com Rosa, que nunca teve filhos, e ajeitou-se com Júlia, a irmã desta. Tornaram-se ambas complacentes de uma vida de engodos e passes duplos.
Segue-se a história de João, o mártir, a agressividade crescente de Alice que oscilava entre o ostracismo e o imaginário, o jeito especial de andar de Adélia, coxeando e bamboleando a anca, despertando olhares curiosos ao passar.
Ao todo, são dezanove as histórias escritas por Cristina Norton em “A Vida é um Tango” (Oficina do Livro, 2018). Histórias que envolvem drama, paixão, sexualidade e agressividade, sempre numa velada nostalgia e tristeza. Os personagens assumem posturas precisas, dão passos firmes, retratando uma forma de estar na vida e uma linguagem de alma e de cultura.
De acordo com Discépolo, poeta, compositor, actor e dramaturgo argentino, o tango é “um pensamento triste que se pode dançar”. Cristina Norton fornece-nos retratos breves de vidas complexas, embrenhadas em drama e intensidade. A sua narrativa é límpida e cativante na arte de retratar e aquilatar momentos, rasgos de realidade – o resto prossegue na imaginação de cada um. Uma pérola que compõe a sua já vasta obra que engloba poesia, romance e conto, a maioria da qual produzida em Portugal, onde a autora argentina vive há mais de quarenta anos.
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