Julio Cortázar foi considerado um dos escritores mais inovadores do seu tempo, transgredindo a regra e rompendo com narrativa tradicional, (re)criando a arte da literatura, fugindo à linearidade temporal, num jogo de imaginação e de limites entre real e o irreal. Até agora inédito em Portugal, “Os Prémios” (Cavalo de Ferro, 2018), publicado em 1960, é um romance inquietante.
Num bar no centro de Buenos Aires, um grupo heterogéneo: os vencedores do prémio da lotaria, com bilhete para uma viagem luxuosa de cruzeiro no navio Malcom, da reconhecida empresa Magenta Star. Uma vez mais, o jogo surge na obra do escritor argentino como um revelador de potencialidades que nos desviam da normalidade da rotina, orientando-nos para outras dimensões da realidade.
Um jogo – neste caso a lotaria – que, aqui, reúne pessoas oriundas de classes sociais diferentes, que não conseguem entender o motivo deste estranho encontro para prosseguir numa enigmática viagem, cujo itinerário é desconhecido: ”Você conhece o itinerário? (…). O barman teve de admitir que não conhecia”. Que viagem é esta então? “Os Prémios” inicia-nos assim na metáfora da viagem, onde o barco “é apenas um momento da vida”, o espaço onde decorre a existência à qual não se pode fugir.
Ao longo da viagem, o mistério impõe-se como personagem principal e a ideia de absurdo marca presença, num crescendo a cada momento, a cada interacção dos personagens. As infâmias, os momentos dramáticos e ridículos vividos no navio, a carga emocional e as tensões amorosas dos personagens, as reflexões de Persio, surpreendem o leitor ao virar de cada página. Ler “Os Prémios” é embarcar numa viagem existencialista, filosófica, estética, social e política, de modo a compreender a condição do ser humano e do jogo – que é, enfim, a vida humana.
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