“O homem de Vinci não só era multidisciplinar, mas também capaz de sincronizar diferentes ramos do saber para os melhorar. Leonardo estudava anatomia para poder pintar melhor as figuras. Estudava o movimento das águas para poder representar melhor as ondas do cabelo. Em suma, procurava a perfeição de tudo através do conhecimento. «Mais longe!» parecia gritar o trabalho de Leonardo.”
Leonardo da Vinci foi (é) um génio, um homem muito à frente do seu tempo, que se imortalizou pela sua vida e obra, que continua a ser admirada e inspirar pessoas por todo o mundo. Em “As Sombras de Leonardo da Vinci” (Clube do Autor, 2018), acompanhamos o seu percurso de vida: desde o nascimento, como filho bastardo, até à morte. É a morte, aliás, que abre e fecha o livro, no completar de um ciclo repleto de invejas, intrigas, medos, ódios, acusações, traições, perseguições e sofrimento, tendo como cenário os conflitos pelo poder nos Estados Italianos, no século XVI. Aqui, a arte cruza-se com a história, a pintura com a literatura, respirando-se o amor às artes, às criações e invenções, mas sobretudo ao conhecimento.
Christian Gálvez nasceu em Madrid e, desde 2009, divide-se entre o trabalho em televisão e a investigação sobre Leonardo, sendo um dos mais conhecidos especialistas internacionais do artista. É essa extensa pesquisa do autor que se percebe estar por trás desta obra, que dá força ao romance histórico. Leonardo da Vinci apresenta-se em grande plano, mas também assume importância o contexto em que tudo acontece, o enredo político e religioso que se apresenta como sombra da vida do génio, tudo apresentado de forma consistente e coerente, percebendo-se as circunstâncias que moldaram a vida do homem.
Mais do que a obra, o autor apresenta-nos o homem, e é talvez esse foco na vida pessoal e na sua personalidade o maior trunfo do livro, sem que sejam preteridos os momentos em que vemos nascer as suas mais loucas invenções ou telas ganharem vida no seu ateliê, com constantes preocupações com a tridimensionalidade, a geometria ou a proporção.
A prisão e tortura que sofreu quando tinha 24 anos, após ser acusado de sodomia, obrigou-o a abandonar Florença e a procurar o êxito noutros lugares. A interligação entre capítulos não é por vezes conseguida, reflexo do salto entre datas e locais, dos dramas e perseguições, sem esquecer os momentos irónicos e divertidos de um homem multidisciplinar por excelência.
Mas a escrita de Christian Gálvez conquista, com um enredo bem montado e pontuais notas de suspense, passando para o leitor o fascínio que o escritor sente pelo enigmático homem de Vinci. Percebemos que a curiosidade insaciável, a perseverança e o sacrifício marcaram aquele que foi, muito mais do que artista, também engenheiro, arquitecto, matemático e cientista, a ponto de se tornar uma figura incómoda para a Igreja, nomeadamente por fazer dissecação de cadáveres humanos.
A sua suposta homossexualidade ou o facto de defender o vegetarianismo contra o que dizia ser a crueldade praticada em animais, são outras facetas exploradas pelo autor, que procura ainda imprimir algum misticismo com a interpretação da simbologia de obras como A Última Ceia ou o retrato de Mona Lisa.
É difícil o leitor não suspirar quando Florença é apresentada como a casa dos Médici e berço da ebulição cultural, surgindo então nomes como os de Verrocchio, Sandro Botticelli, Miguel Ângelo ou Rafael. “Medíocre é o aluno que não excede o mestre!”, diz a certa altura Leonardo, que procurava superar-se a si próprio a cada dia, acreditando que podia mudar o curso dos acontecimentos através das suas criações.
Baseado em acontecimentos reais, “As Sombras de Leonardo da Vinci” é um romance histórico que nos faz apaixonar pelo génio, mas sobretudo pelo homem por trás de toda a genialidade. Um homem sonhador que não só intuiu o futuro como ajudou a construí-lo. Mas a mensagem deste livro vai mais além, ao mostrar ao leitor que ter talento não basta para alcançar o céu, é preciso trabalho e não se dar por resignado face às adversidades da vida. “Leonardo da Vinci conquistara o céu ancorado ao chão”.
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