Chegou às livrarias portuguesas há mais de um ano com o selo da Parsifal, e foi um dos destaques na tarde de ontem do festival literário Livros a Oeste: “Tozé Brito: Eu Sou Outro Tu”, a biografia assinada por Luciano Reis sobre um dos mais consagrados compositores nacionais: a solo, integrando alguns dos mais importantes grupos musicais (Quarteto 1111, Green Windows ou Gemini) ou escrevendo letras para mais de meio mundo lusitano. Isto não esquecendo a sua ligação mais executiva ou o papel de olheiro musical no período áureo da música portuguesa, ou ainda a sua actual faceta de administrador na Sociedade Portuguesa de Autores.
Autor das biografias de nomes como os de Vitor de Sousa ou João D`Ávila, ou ainda de títulos como “História do Circo” ou “As Grandes Divas do século XX” – onde revelou o lado mais pessoal de quinze actrizes, incluindo Palmira Bastos, Eunice Muñoz, Carmen Dolores ou Lourdes Norberto -, Luciano Reis confessou ser esta a biografia que mais gostou de escrever, muito pelo acto de considerar que Tozé Brito não manteve “cadeados, gavetas escondidas”, e de antes não ter conseguido chegar “à alma do biografado”.
Tozé Brito, que decidiu partir para esta aventura assinalando a marca dos 50 anos de carreira, considera que este acabou por ser um espelho fiel – “Reconheço-me completamente no que está aqui” – e que, tal como num disco, cada capítulo poderá ser lido como quando se escuta um disco – neste caso um CD ou uma playlist -, saltando-se faixas de acordo com o interesse momentâneo. Vincando o lado romântico que atravessou sempre a sua escrita de canções, referiu que “o amor é a base de tudo” e que a grande mais-valia que ganhou nestas cinco décadas terá sido o contacto humano.
Após revelar que tem um bunker caseiro à prova de som, onde se fecha entre as 11 da noite e as 2 da madrugada para se dedicar à escrita – ou, em dias menos inspirados, a ler textos alheios ou um dos muitos cadernos que foi escrevendo ao longo da vida em busca de uma frase que seja o princípio ou o meio de uma canção -, Tozé Brito falou de três dos episódios que integram a biografia, que acabaram por ser a tão procurada cereja.
A propósito dos Gemini, confessou que o grande propósito do nascimento da banda foi a vontade de internacionalização, isto num tempo onde apenas Amália Rodrigues conseguia furar o bloqueio. Tendo o objectivo Festival da Eurovisão saído furado – algo como um mortiço 15º lugar -, isto no ano em que cantaram “Dai Li Dou” – “uma canção de que não gosto nada, seria incapaz de escrever aquilo” -, seguiu-se a formação das Doce, uma ideia que foi roubar a Diana Ross e às Supremes. “Quatro mulheres, que não tinham nada de raiz que as unisse, aguentarem-se durante sete anos… dou-lhes mérito”, disse Tozé Brito antes de contar o episódio onde teve de ir de táxi de Lisboa ao Porto, depois de uma chamada recebida às 3 da manhã, para impedir que a separação se tivesse dado mais cedo. “Tinham um poço de petróleo e queriam pôr-lhe uma tampa”.
Outro dos episódios foi uma aventura vivida em Nova Iorque, a sua cidade de eleição, num passeio turístico de helicóptero onde iam também Manuel Faria (dos Trovante) e Carlos Albuquerque (director financeiro). Um passeio que terminou com uma aterragem forçada no Central Park, não que sem antes, e na falta de selfies, se tivesse divertido a tirar fotos uns aos outros que poderiam ser de despedida. E que, a juntar às ambulâncias, aos bombeiros e aos jornalistas que subitamente por lá apareceram, teve também a visita de advogados que prometiam no mínimo 1 milhão de dólares a quem invocasse um trauma tão grande que nunca mais conseguiria andar de helicóptero, de avião ou qualquer coisa que tivesse asas.
A última história foi a de quando, na companhia de Herman José, foi convidado para assistir a um concerto de Sting numa casa paradisíaca na Toscânia, só para amigos, que acabou por ser gravado em vídeo e em disco. Um concerto que, tendo ocorrido no dia da queda das Torres Gémeas, serviu de catarse e para celebrar a vida. “Acabámos a dançar em cima das mesas”, recordou Tozé Brito, momentos antes de ir tudo para casa ao som do intemporal “Pensando em Ti”, dos Gemini
À noite falou-se desse mito Pedro & Inês, que está um pouco para Portugal como Romeu & Julieta estão para Inglaterra – ainda que este último não envolva corações arrancados com um semblante de loucura, antes veneno e punhaladas. Uma relação que, segundo o pediatra e escritor Mário Cordeiro, “hoje em dia não passaria numa comissão de ética”, sendo Pedro “uma personagem de rebeldia” e Inês “a desviante, a sereia que canta como na história de Ulisses”. Já a psicóloga Maria Joana de Carvalho foi buscar Édipo, Alberoni e falou desta relação como passional, agravada por uma conjectura social e moral, e de D. Pedro como um rebelde mas pouco, que temeu o pai até à morte esperando que este se finasse para, só então, desposar Inês. Um anti-herói num processo de individualização.
O festival literário Livros a Oeste prossegue até dia 12 de Maio. A programação pode ser consultada aqui.
Fotografias de Rita Chantre.
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