António Canteiro é escritor dotado de uma refinada sensibilidade, que faz poemas em prosa e prosa de poemas, tendo escrito quatro romances e dois livros de poesia – todos eles com atribuição de prémios literários municipais.
“A Luz Vem das Pedras” (Gradiva, 2017) venceu o prémio Alves Redol, instituído pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, e é um dos grandes livros de 2017: pela história de uma família cujos nomes próprios não sabemos, mas que é a história da filha, Maria, narradora da maior parte da história e personagem principal e protagonista de intensos dramas pessoais, entre os quais uma violação na adolescência e a tragédia de um casamento por procuração, não consumado, anulado por precoce viuvez; e pelos lugares que evoca – o livro divide-se em três capítulos, «Areia, duna», «Barro, pedra» e «Montanha, chão» -, que levam o leitor a perceber que tudo se passa na zona do Caramulo, algures entre o mar e a serra, sendo que o lugar é um elemento nuclear do romance, quase uma personagem.
Uma nota importante reside na intencional forma como o autor passa de um capítulo para outro: existe aqui uma técnica narrativa perfeita, que deixa o leitor em suspensão mesmo a meio de uma frase ou de um pensamento, que é imediatamente retomado no capítulo seguinte. Quer a narração se faça na primeira pessoa, através da protagonista Maria, quer se faça por um narrador exterior que comenta as situações de grande dramatismo, António Canteiro nunca concede toda a informação, usando muitas vezes a técnica da antecipação narrativa com mestria e desenvoltura.
O estilo denota um grande domínio dos recursos da língua portuguesa, de tal forma que se permite trazer ao seu léxico inovações vocabulares que resultam de melodiosas/onomatopaicas junções de palavras. A qualidade literária neste autor está, como muito bem escreveu Manuel Frias Martins – Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Críticos Literários – a propósito deste livro, intimamente ligada à “profunda relevância humana”.
As páginas finais são, de tal forma tocantes e comoventes, que tornam impossível a não comoção. Trata-se do cão Breu, visitante habitual da campa da sua dona, Maria, sobre a qual vai querer morrer uma vez ferido de morte: (…) durante mais duas horas o pavio em chama ardeu e o cão arfou, morrentemente, quase não sustendo as pálpebras meio abertas, deitadas ao lado da cova, sangrando para a terra ensopada, num charco de sangue que coagulava por debaixo do corpo; quando a luz desmaiou, com a noite quase noite, veio uma rajada mais forte, um sopro de vento único e definitivo, que apagou, enfim, a vela e acendeu a escuridão”. Um livro ímpar com um estilo inconfundível.
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