“Os Anos da Inocência” (Asa, 2017), de Elizabeth Jane Howard, retrata uma dupla perspectiva de candura ou ingenuidade. Por um lado, a forma como a vida é explorada e apreendida pelas gerações mais novas e a forma como, progressivamente, se confrontam com o mundo dos adultos. Por outro, no decurso dos anos de 1937-38, a percepção que a nível mundial algo de catastrófico se aproximava, rompendo com a tranquilidade de uma sociedade ainda recém-refeita do primeiro conflito mundial.
Inglaterra, Séc. XX. Três gerações da família Cazalet espraiam-se, envolvendo-nos no seu auto-conceito, na forma como gerem as relações inter-geracionais, o status social, as relações de intimidade e os estereótipos de género, o valor social do casamento, as convenções, as disputas entre pares e os abismos entre classes.
Através dos irmãos Hugh, Edward, Rachel e Rupert Cazalet, acompanhando o seu mundo interior e as suas relações, toma-se contacto com temas como os traumas físicos e psicológicos da primeira grande guerra, o casamento e a (in)fidelidade, as disputas veladas pelo reconhecimento e pelo afecto dentro da própria família. Igualmente a partir deles, acompanhando a sua descendência, percebem-se comportamentos abusivos e intimidatórios, mas também sonhos e descobertas do mundo adulto, observado e romantizado pelos mais novos.
O retrato familiar permite ainda contacto com desejos de uma sexualidade escondida, censurada, como de uma maternidade quase imposta, sobrevalorizada. Numa dimensão paralela, o retrato épico transporta o leitor para a vivência dos empregados da família Cazalet: os seus papéis, aspirações e frustrações.
Cada família tem a sua história, os seus romances e os seus mistérios. “Anos da Inocência” não chega a ser uma saga, mas é um bom exemplo de uma narrativa épica, que revela identidades e expectativas para o mundo e para a própria família, histórias de (des)encontros, cumplicidades e convivências, de domínio e submissão.
“Anos da Inocência” é o primeiro de cinco volumes da história da família Cazalet, nos anos que vão de 1937 a 1956, até agora o único publicado em Portugal. Por enquanto estamos em 1937-38 e, como era apanágio da época, acompanham-se segredos e traumas familiares, jogos de equilíbrio e de poder. Para que ficássemos verdadeiramente reféns, talvez tivesse sido útil uma viagem mais intensa ao mundo interior e emocional de pelo menos algumas personagens. O encadeamento entre elas está lá, mas a energia dos episódios esfuma-se pela excessiva alternância cénica.
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