“O visitante da noite & Outros Contos“ (Antígona, 2014) traz-nos uma selecção de contos de B. Traven, tendo o México como pano de fundo das 11 histórias do livro. Foi nesse país que o autor alemão se exilou em 1924 e, também, a partir de onde alcançou maior êxito literário. O seu olhar perspicaz sobre o país e suas gentes, acompanhado por um retrato atento do quotidiano, faz com que este seja um conjunto bastante coeso de contos, com uma interessante linha condutora. E é assim, num punhado de boas histórias, que somos levados através do universo mexicano do autor.
Os vários contos encaixam no formato tradicional e “clássico” do conto, com as pitadas de moral a misturarem-se com as pitadas de humor. Sucedem-se a cada conto referências às nobres emoções e qualidades humanas (a fidelidade, o amor, a amizade) e, para tal, não faltam várias das “personagens-tipo” dentro do género: o camponês pobre e humilde, o marido ciumento ou o padre da aldeia. Até o simpático cão do conto Amizade parece encaixar, na perfeição, na sua história. O estilo narrativo é realmente digno de um verdadeiro “contador de histórias”.
Um belo exemplo é o conto Macario, em que B. Traven vai buscar referências à tradição oral e aos contos populares, ao adaptar um antigo conto tradicional russo sobre outro tema recorrente: a Morte. Um camponês faz um pacto com a Morte que lhe permite ver, no leito de morte, quem vai ou não vai sobreviver. E, como geralmente acontece quando se fazem pactos com a Morte, os acontecimentos sucedem-se de forma bastante atribulada.
Os contos O padecimento de santo António (sobre o estranho “desaparecimento” de um santo) ou Um remédio eficaz (sobre os dilemas de um médico estrangeiro) são histórias divertidas, a partir de situações caricatas e quase quotidianas. O compromisso político do autor com os oprimidos (era anarquista, tendo sido perseguido no seu país) torna-se claro logo à partida na escolha e descrição do(s) próprio(s) contexto(s) dos contos, onde a sua escrita irreverente polvilha a história com uma visão crítica da sociedade e dos seus costumes. É o caso de Uma história verdadeiramente sangrenta, sobre um jornalista estado-unidense candidato a correspondente de um jornal do seu país, ou em Linha de Montagem, sobre o choque cultural de um investidor estado-unidense na sua tentativa de impor a economia de escala a um pequeno artesão de Oaxaca.
Em O visitante da noite, o conto que dá nome ao livro, B. Traven relata os delírios e alucinações de um ávido leitor que se deixa baralhar entre a realidade e a ficção das personagens dos seus livros, elas próprias personagens da História do México. Entre o humor e o enredo do próprio conto, este poderia bem ser o excerto de um qualquer romance de realismo mágico latino-americano.
O encadear das personagens e das histórias recheadas de humor, atravessando coloridas paisagens mexicanas, faz desta colecção de contos uma óptima leitura – sobretudo para quem goste que lhe contem histórias.
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