“Resigne-se à tristeza perpétua que advém de nunca estar satisfeito.”
Zadie Smith
Neste “Cartas a um jovem escritor” (Clube do Autor, 2017), de Colum McCann, o leitor aspirante a escritor não encontrará os 10 mandamentos (estratégicos) da escrita, nem as quantidades certas dos ingredientes essênciais (nem os secretos) para compor um grande livro. Ainda assim, é um bom livro para colocar na mesinha de cabeceira e ler os seus pequenos mas certeiros capítulos em alguns momentos de insónia. E, já sabe, sempre com um caderninho ao lado para os momentos de inspiração à laia de escritor.
Como imaginar Dez Mandamentos do Aprendiz e uma Receita Tradicional:
1º Faça tudo com elegância, delicadeza, ferocidade e surpresa;
2º Crie um tempo alternativo onde o leitor se perca e se encontre;
3º Apaixone-se pelas personagens;
4º Crie personagens apaixonantes, mas plante-lhes defeitos, erros e mais tarde superações;
5º Entenda as regras para que, conscientemente, possa esquecer algumas;
6º Confie no seu lápis azul, mas não perca de vista o vermelho;
7º Enredo, linguagem, estrutura; são palavras de ordem;
8º Pontuação: o andaime das palavras;
9º A pesquisa é importante, mas a imaginação é fulcral;
10º Insistir para fracassar melhor, insistir para ultrapassar o medo, insistir para perpetuar.
A um punhado de palavras simples, polvilhe com uma pitada de embelezamento, suavemente. Junte meia dúzia de personagens: apaixonantes, corajosas, desesperadas, defeituosas, enamoradas, à beira do abismo ou em vias de extinção. Saltite entre elas e exponha-as em confronto. Moralize, proclame, reivindique, confunda-as e capriche. Depois agite, engrosse o enredo, rectifique sabores, juntando mais de realidade ou de imaginação. Mexa bem. Sinta como tudo borbulha, cresce e se expande. Deixe repousar um pouco. Tenha paciência. Não exagere. Não desespere. Abrace o mistério de colocar no forno de luz apagada, sinta medo, mas convide outros a virem provar. Deixe-os descobrir, degustar, meter novamente a colher. Observe quem pousa a colher e não repete. Ganhe alguma distância e depois peça opiniões. Apure. Reveja. Refaça. Se falhar outra vez, já falará melhor.
Brincadeiras à parte, talvez de tudo o que é dito o mais impactante seja a conversa de James Joyce com Franck (página 89), onde a certa altura se lê: “Todo o dia trabalhei arduamente em Ulisses», disse Joyce. «Isso quer dizer que escreveu muito? perguntei. «Duas frases», respondeu Joyce. «Procura as palavras certas?». «Não», disse, «as palavras já as tenho. O que procuro é a ordem perfeita das palavras na frase.” Ou a ideia megalómana do poder exercido pela ordem das palavras numa frase, juntamente com uma duas das análises de Maccann: “Deverá escrever como se fosse enviar ao leitor uma frase de cada vez” e ” (…)O enredo deve sempre amachucar-nos o coração (…)“. Talvez retenham já o que de crucial tem o processo da escrita – e talvez um pequeno segredo: superar o bloqueio da autocrítica e ganhar perspectiva.”O único dever que temos para com a história é reescrevê-la.” Quem o diz é Oscar Wilde, mas remetamos com palavras do autor: “A palavra ficção quer dizer moldar, formar.”
Tenhamos nós caprichos de escritor ou de leitor emproado, sempre ávido de novidades ou de outros modos de ler, a leitura deste livro é um exercício imprescindível.
“A literatura recorda-nos que a vida não está escrita.“
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