Depois de tanta exposição mediática e tempo de antena, seria normal que num país com o tamanho de um quintal se começassem a levantar alguns anti-corpos em relação a Ricardo Araújo Pereira. É certo que os anúncios televisivos em que RAP e comparsas aparecem a todo o instante começam a irritar até mesmo o mais pacato espectador de sofá, mas passar da crucificação comercial para o apedrejamento criativo será uma injustiça do tamanho, digamos, desse próprio quintal.
Se “Novíssimas crónicas da boca do inferno” – e os dois anteriores volumes – nos havia mostrado um olhar arguto e um sentido de humor apurado (sobretudo) em relação à política e à sociedade portuguesas, “Mixórdia de temáticas, série Miranda” (Tinta da China, 2014) é revelador do lado mais pop de Ricardo Araújo Pereira, que faz dele um guionista de primeira água capaz de levar o leitor a desfazer-se em lágrimas – ponham-se à prova com os textos “Ultra Boys da Arrifana” ou “É favor não lamber a arena”.
O livro, uma compilação dos guiões da segunda série da rubrica Mixórdia de Temáticas (Série Miranda) – que passou pelas ondas hertzianas da Rádio Comercial -, é um festim humorístico de dimensões épicas, que nos apresentará a personagens delirantes e ensinará trivialidades maiores: conheça Faná Miranda, especialista em assuntos amorosos e a sua barata de pelúcia; ouça o primeiro programa radiofónico dedicado às rotundas; aprenda algumas dicas para evitar o risco de partir parvamente o pão; saiba tudo sobre o embuste do Capitão Iglo, que afinal não sabe cozer um ovo – é o seu primeiro-tenente que pana e ultracongela; saiba quando ser badalhoco se torna um acto de amor; conheça a guerra sanguinária entre o sabonete e o gel e banho; descubra o potencial da figura do drogado enquanto protagonista de narrativas; deleite-se com o(s) Ultra Boys da Arrifana, claque de um clube imaginário composta po um homem só; saiba que medidas estão a ser tomadas por Adelino Miranda para que Miley Cirus não lamba o antigo Pavilhão Atlântico de uma ponta à outra.
Se durante estas 222 páginas não conseguir evitar algumas risadas que possam acordar o vizinho de cima ou assustar o passageiro do lado, muito provavelmente estará morto ou tremendamente inconsciente. No que diz respeito à escrita de textos humorísticos, Ricardo Araújo Pereira é dono e senhor deste pequeno quintal.
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