“Hoje só se vê “fake news” em todo o lado e ser jornalista é pior do que ter sarna“. As palavras são de Luís Pedro Nunes, entre outras coisas o director do suplemento Inimigo Público que, a cada sexta-feira, vai tratando de animar o povo e de fazer a cama à entrada no fim-de-semana, sempre com um olhar incisivo sobre a actualidade e a história portuguesas que o tornam, quase sempre, bem mais pertinente que os jornais diários ou os semanários do dito jornalismo à séria.
Estamos, nos dias de hoje, numa época que se lembrou de inventar e idolatrar o conceito da pós-verdade, que recebeu nos dicionários uma entrada digna de registo: circunstância ou contexto, geralmente de ordem cultural ou política, em que a opinião pública e o modo como esta se comporta, se fundamentam mais em apelos emocionais falaciosos e na afirmação de convicções pessoais avulsas do que em factos objectivos e observáveis.
O Inimigo Público está, porém, longe do território da pós-verdade. Ao gravitar em torno da máxima se não aconteceu podia ter acontecido, tem aliado, ao longo de 14 anos, o humor incisivo, o espírito crítico e o espírito jornalístico, afastando-se da opinião pública para servir antes uma opinião em estado de rebelião, que tem conseguido sobreviver a várias direcções do jornal Público bem como a (des)orientações políticas diferenciadas.
“Inimigos Públicos de Portugal” (Oficina do Livro, 2017) é, por isso, um documento fundamental da história portuguesa dos últimos 14 anos, um álbum de recortes que resume, em textos curtos e ilustrações sempre certeiras, jogadas e escândalos políticos, tramóias de bastidores, eventos desportivos e todos os temas que foram alvo de debates acesos, conversas de café e indignações (em redes) sociais.
Como resume Luís Pedro Nunes, “foi há tanto tempo que Durão ainda nem tinha sido mordomo nas Lajes nem sonhava ser empregado do ano da Holdman Sachs, o Iphone estava longe de ser lançado, não havia facebook e muito menos twitter e quando apareceu serviu para testar piadas – tal como Trump faz agora“.
Cada um dos anos é apresentado com uma introdução que, em poucas linhas, espreme um ano inteiro, despertando memórias videográficas e recortes de imprensa, que foram atirados de qualquer forma para o baú das memórias. Parabéns ao Inimigo Público, vemo-nos daqui a 14 anos – ou antes – para a edição mais um volume. Despedida à boleia da descrição do belo ano de 2016 (ganhámos o Euro, carago):
“Marcelo é presidente. Portugal é campeão europeu de futebol. Trump é presidente. O livro de Saraiva é um nojo. Lacerda Machado é o melhor amigo de Costa. Dilma é afastada. A vaca voadora voa. O pior é o diabo, diz-se. O Pokémon Go é o novo Snake. Durão é uma pessoa sem vergonha na cara e sai da Comissão para a Goldman Sachs. Pedro Dias é capaz de viver um mês com 60 euros e Sandra Felgueiras é a melhor agente da PJ. O barro preto de Bisalhães é património imaterial da Humanidade. O impacto do Brexit é ultrapassado pelo ‘salivagate’ em Alvalade. A visita de Obama a Cuba é só para preparar a chegada dos The Rolling Dtones, dias depois“.
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