“Este livro é para miúdos e (sobretudo) graúdos”. Esta espécie de aviso não está mas poderia bem estar na capa de “O primeiro país da manhã” (Dinalivro, 2014), livro de Ricardo Gonçalves Dias – e ilustrado por Marta Madureira – que levou para casa o Prémio Branquinho da Fonseca Expresso/Gulbenkian em 2013 e está cheio de metáforas para assuntos de gente crescida.
O Manel, o pequeno rapaz à volta do qual gira esta história, adorava invenções, dando-se mesmo ao trabalho de as agrupar em grupos diferentes: o escorrega, por exemplo, fazia parte das invenções rápidas; já a tabuada, com tantos números que seria difícil colocá-los todos dentro da mesma cabeça, fazia parte das invenções grandes.
Havia, porém, algo que transformavaem galinha a pele do Manel: as invenções que estavam cheias de invenções dentro de si; como os degraus de uma escada ou a manhã de um dia. Insatisfeito decidiu inventar algo que acabasse com a manhã, que começa desde logo «com aquele objecto que acordava sempre milésimos de segundo antes de todas as pessoas, sem nunca se atrasar ou preferir sonhar durante mais uns minutos.»
Mas não era apenas a manhã que irritava o Manel, havendo outras invenções que o maçavam tremendamente: a roupa nova no corpo, a escola nos dia de frio, a mala da escola às costas. O Manel nunca tinha inventado nada, mas adorava alterar as invenções dos outros, era mesmo uma espécie de vício. Com muitas dúvidas sobre o mundo a girar dentro da sua cabeça, o Manel toma uma decisão; inventar o seu próprio país, onde as coisas fossem bem diferentes – sobretudo as manhãs.
A partir do momento em que é içada uma bandeira, feita de camisolas que era quase tão grande como o próprio país, Manel inventará as leis, fará a devida inauguração, lerá um discurso de circunstância, cantará o hino e, claro, dará um nome ao seu país: Invenção, o único país no mundo com dois dias dentro de um só.
Com ilustrações onde predominam as figuras geométricas e o uso de rectas, fazendo a ponte para o mundo das invenções – o recurso às colagens é um mimo -, “O primeiro país da manhã” mostra que a vontade de mudar o mundo nasce dentro de cada um de nós desde tenra idade, cabendo-nos decidir, durante o percurso, se queremos trabalhar no duro para mudar as coisas ou se, em alternativa, optamos por tirar tempo para uma soneca. É que isto de inventar um país – ou um sonho – dá mesmo uma grande trabalheira.
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