“O Sector 500 não passa de uma caverna composta pelo conglomerado de cinco naves exóticas, que resolveram mesclar-se num amplexo cataclísmico. Naves sem dono. Coladas umas às outras, num choque titânico que ocorreu quando o anel se formou. Hoje em dia, as espécies que as pilotavam já não existem.”
É precisamente aí, no Sector 500, que o avatar conhecido por Mr. Lux escondeu um dos seus cofres, “uma esfera de vinte metros de diâmetro, brilhante e polida como uma jóia“. Ele que, aos poucos, está a transformar-se “numa máquina de guerra, capaz de suportar quase todas as maldades que lhe queiram fazer“. Mas o que esconde o cofre, alvo da cobiça dos sete anões que o assaltam comandados por alguém que está “a muitos e muitos cliques dali“? “Uma caixa de madeira amarelecida pelo assédio do tempo, (…) uma estatueta de um Falcão negro e com os olhos a luzir, (…) e uma revista pulp, AMAZING STORIES de seu nome, impressa algures nos anos vinte do século passado, protegida por um saquinho de gelatina, brilhante e lustrosa como se tivesse acabado de ser impressa“.
Bem-vindos a “Terrarium” (Saída de Emergência, 2016), o clássico da ficção-científica portuguesa assinado por João Barreiros e Luís Filipe Silva, que celebra 20 anos com uma edição comemorativa, revista e aumentada pelos autores.
Apesar de não Portugal não primar por autores do género, a ficção científica em Portugal conheceu o seu período mais luminoso durante as décadas de 1980 e 1990, quando se publicavam muitas edições por ano e as colecções Argonauta e FC Europa-América estavam em alta – bem como o Prémio Caminho de Ficção Científica. Ficção científica que, feitas as contas, parece ter dado lugar ao fantástico. Basta olhar o catálogo da Colecção Bang!, da qual faz parte este “Terrarium”, para vermos a perda do foco da ficção científica diante do fantástico – algo que não é apenas português mas sim universal.
“Terrarium” é um livro escrito a meias, começado por João Barreiros que, mais tarde, convidou para bordo Luís Filipe Silva, que havia levado para casa o Prémio Caminho de Ficção Científica, para o ajudar a embrulhar – e a terminar – o livro.
Não se trata de um romance tradicional, antes de um “romance em mosaicos”, composto por novelas e noveletas que se vão gradualmente entrecruzando, reflexo das várias vozes e personagens que compõem o livro – e, também, das duas formas distintas de escrita dos seus autores.
“A estrutura de um romance em mosaicos permitiu que eu e o Luís pudéssemos manter as nossas vozes particulares, a nossa independência narrativa, e garantir a perspetiva fragmentada de um universo onde o que um de nós diz ou afirma não será necessariamente a verdade defendida pelo outro”, esclarece João Barreiros. E acrescenta: “O mundo é assim mesmo: um mosaico que se constrói a várias vozes.”
Trata-se de uma distopia passada no futuro, que tem como pano de fundo o colapso da Fortaleza Europa e a resistência humana face a criaturas extraterrestres que pretendem dominar o planeta. O leitor vê-se transportado para meados do novo milénio, época em que Bruxelas se transformou numa cratera radioactiva, as zonas costeiras ficaram alagadas pela subida das águas e a temperatura aqueceu até fazer da Europa uma região tropical. Um cenário pós-apocalítico em modo de ficção científica pura e dura, na mesma frequência utilizada por Larry Niven ou William Gibson.
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